domingo, 25 de janeiro de 2015

O Pré-milenismo Judaico

Para se entender certas coisas na Bíblia, é importante conhecer como pensavam os judeus na época de Jesus e o que eles esperavam do Messias. Por que os discípulos tinham tantas expectativas quanto ao Reino de Deus (veja o post Pedro era amilenista?) e se decepcionaram tanto com a morte de Jesus (veja Lc 24:21)? O que os fariseus esperavam do Cristo e por que as respostas de Jesus os confudiam tanto?

Curiosamente, uma leitura de antigos textos do Judaísmo revela uma incrível semelhança com a visão dispensacionalista da Bíblia. O presente artigo faz uso do impressionante trabalho de Raphael Patai, "The Messiah texts", Wayne State University Press, 1988, que consiste de uma coletânea de textos messiânicos e escatológicos da literatura judaica dos últimos três mil anos, incluindo o Velho Testamento, Talmud, Targum, Midrash, Zohar, etc. Patai é um historiador e antropologista reconhecido internacionalmente, com doutorados pela Universidade Hebraica de Jerusalém e pela Universidade de Breslau, além de ter sido ordenado no Seminário Rabínico de Budapest. A seguir, comparo alguns textos bíblicos e sua interpretação dispensacionalista com a visão dos rabinos antigos a respeito de sete tópicos ligados à escatologia (a doutrina do fim dos tempos). É bom enfatizar que não endosso a tradição extra-Bíblica do Judaísmo atual como se fosse cristã, pois a mesma contraria o Cristianismo em muitos pontos. No entanto, dentro de certas áreas encontramos surpreendentes coincidências entre a Palavra de Deus e os escritos dos rabinos. Estes textos são importantes, também, para esclarecer dúvidas daqueles que acham que as interpretações dispensacionalistas apresentadas abaixo nasceram com John Nelson Darby no século XIX.


A) O anticristo, os sete anos de Tribulação e o quadro geral dos últimos tempos

"E ele firmará aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador", Dn 9:27a

"Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus...E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda", II Ts 2:3-4,8

Interpretação dispensacionalista: Nos últimos tempos haverá apostasia e degradação moral da sociedade (em contraste com o quadro otimista pintado pelos pós-milenistas). Haverá sete anos de Grande Tribulação, onde o Anticristo governará e será adorado como deus. Ele virá das nações do antigo Império romano. Então, o verdadeiro Messias o destruirá e virá para reinar.

Os rabinos: 

"Ocorrerão cataclismas cósmicos: pestilência, fome, terremotos, neve e saraiva, relâmpagos e trovões...insolência, roubos, heresias, prostituição, corrupção, opressão, leis cruéis, falta da verdade e falta de temor de pecar. Tudo isto levará a uma degradação interna, desmoralização e apostasia. As coisas chegarão a tal ponto que as pessoas desesperarão da Redenção. Isto durará sete anos. Então, inesperadamente, o Messias virá", Patai, pp. 96

"No sexto ano do septenário Messiânico, sons serão ouvidos; no sétimo, haverá guerras, e ao final do sétimo, o Filho de Davi virá. Guerras são o princípio da redenção", B. Meg. 17b

"Eles o chamam de Armilus. E ele irá a Edom (Roma) e dirá a eles: 'Eu sou o seu Messias, eu sou o seu deus!'. E ele os enganará e eles instantaneamente acreditarão nele, e o farão seu rei" T'fillat R. Shim'on ben Yohai, BhM 4:124-26

Note que os judeus chamam o anticristo de Armilus, dentre outros nomes.


B) A mulher e o dragão

"E VIU-SE um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça...E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias...E, quando o dragão viu que fora lançado na terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho homem. E foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto, ao seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente.", Ap 12

Interpretação dispensacionalista: A mulher é a nação de Israel, 1260 dias são os três anos e meio finais da Tribulação, o dragão é o diabo, que perseguirá Israel por meio do Anticristo. Mas Israel se refugiará no deserto.

Os rabinos:

"Então, um homem aparecerá naquele lugar e todo o Israel se ajuntará...e juntos irão àquele homem, Armilus, que dirá 'Eu sou o Messias, seu rei e seu príncipe'...Então todo o Israel se ajuntará e irá para o deserto de Efraim...e invocará Deus...e o rei maligno se enfurecerá e ordenará que eles sejam mortos...e os filhos de Israel...irão para o deserto e levantarão suas vozes...e clamarão a Deus...Então, Deus lhes enviará Sua misericórdia e abrirá as janelas do céu." Ma'ase Daniel, pp 222-25


C) Os dez chifres da besta

"E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento, e entregarão o seu poder e autoridade à besta.", Ap 17:12,13

Interpretação dispensacionalista: Os dez chifres são dez reis de nações que formavam o antigo Império Romano, que darão apoio ao Anticristo.

Os rabinos: 

"...virá Armilus e ele governará todo o mundo...E todos os que não acreditarem nele morrerão...E ele virá à terra de Israel com dez reis...E haverá sofrimento em Israel como nunca houve no mundo. E eles fugirão para as fendas e cavernas nos desertos. E todas as nações do mundo seguirão aquele maligno, o satânico Armilus, exceto Israel.", Sefer Zerubbabel, BhM 2:54-57


D) O Armagedom e a Segunda Vinda

"E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco; e o que estava assentado sobre ele chama-se Fiel e Verdadeiro; e julga e peleja com justiça....E vi a besta, e os reis da terra, e os seus exércitos reunidos, para fazerem guerra àquele que estava
assentado sobre o cavalo, e ao seu exército...E os demais foram mortos com a espada que saía da boca do que estava assentado sobre o cavalo, e todas as aves se fartaram das suas carnes.", Ap 19:11,19,21

Interpretação dispensacionalista:
ao final da Tribulação, o Messias virá e vencerá os exércitos do Anticristo com sua palavra e as aves se alimentarão de seus cadáveres.

Os rabinos: 

"Gogue e Magogue subirão contra a terra de Israel...e dirão... 'lutarei contra seu Deus primeiro e depois os aniquilarei'", Mid. waYosha', BhM 1:56

"E o Nome, bendito seja Ele, descerá sobre o Monte das Oliveiras, e as montanhas se separarão...e Ele lutará contra aquelas nações como um homem de guerra...E o Messias Filho de Davi virá...e matará Armilus.", Sefer Zerubbabel, BhM 2:54-57

"haviam se ajuntado dos quatro ventos do céu uma multidão inumerável de homens para guerrearem contra aquele Homem...ele enviou da sua boca uma corrente de fogo...e esta caiu sobre a multidão...e queimou a todos...", 4 Ezra 13:1-9, 25-26, 35-36

"E o Santo, bendito seja, ajuntará todas as aves do céu e as feras da terra para comerem suas carnes e beberem seu sangue", Sefer Eliyahy, BhM 3:65-67


E) O Milênio


Existem textos demais falando sobre o Milênio na literatura rabínica. Por falta de espaço, vou me restringir a um texto que menciona uma das inúmeras previsões (fracassadas, é claro) sobre a época do início do Reino do Messias.

Os rabinos: "Felizes serão todos aqueles que permanecerão no mundo ao final do sexto milênio para entrar no [milênio do] Sabbath...", Zohar 1:119a

Infelizmente, tal interpretação do Reino de Deus como sendo o sétimo Milênio do planeta terra também já foi defendida por alguns dispensacionalistas no passado.


F) O diabo e os ímpios lançados no lago de fogo

"E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta...E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo.", Ap 20:10,15

Interpretação dispensacionalista: No fim do Milênio, Cristo lançará o diabo no lago de fogo. Logo em seguida, após o Juízo Final, os ímpios terão o mesmo destino.

Os rabinos:

"Quando Satanás viu o Messias, ele tremeu, caiu sobre seu rosto e disse 'deveras, este é o Messias que no futuro irá me lançar e a todos os príncipes das nações do mundo no Gehenna'", Pes. Rab. pp. 161a-b


G) A nova Jerusalém

"E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido.", Ap 21:1

"E as doze portas eram doze pérolas; cada uma das portas era uma pérola;", Ap 21:21a

Interpretação dispensacionalista: Após o Juízo Final, na nova terra haverá uma nova cidade de Jerusalém vinda do céu, cujos portões serão pérolas gigantes.

Os rabinos:

"E todo o Israel achará favor aos olhos de Deus. No lugar da Jerusalém destruída, Ele baixará para eles uma Jerusalém dos céus", Ma'ase Daniel, pp 225

"No futuro, o Santo, bendito seja Ele, trará pedras preciosas e pérolas de trinta por trinta côvados em tamanho e irá perfurar nelas aberturas de dez por vinte, e as porá nos portões de Jerusalém", B. Bab. Bath. 75a


Conclusão


É impossível uniformizar os ensinos rabínicos sobre os últimos tempos, pois, além do estudo do Velho Testamento, eles se baseiam em diversas visões, lendas e mitos. Contudo, os textos que expus neste artigo resumem o quadro geral defendido por muitos deles. Com toda esta semelhança entre o dispensacionalismo e o judaísmo, devida a uma interpretação literal das profecias do Velho Testamento, pode-se perguntar se os dispensacionalistas não entenderam erradamente a Bíblia, assim como os judeus nos tempos de Cristo. De fato, até hoje os judeus usam o argumento de que Jesus não cumpriu as profecias Messiânicas para negar que Ele era o Cristo. Para entender a resposta a este argumento, vale a pena estudar o que os rabinos antigos diziam sobre os textos que falam sobre o sofrimento e morte do Messias. Mas isso fica para um próximo artigo.

p.s. As referências completas para as abreviações acima podem ser encontradas no livro do Prof. Patai.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Você é Charlie?

Estava pensando sobre os assassinatos terroristas cometidos contra a equipe do Charlie Hebdo e o que isso pode implicar sobre a liberdade de expressão nos nossos dias. É fato que a liberdade de expressão é um dos valores mais preciosos da sociedade democrática. Para nós, Cristãos, está intimamente ligada ao direito que temos de manifestar publicamente nossas crenças e valores, muitas vezes ofensivos aos outros. Somos gratos a Deus por gozarmos (ainda) de tal liberdade no Brasil e devemos defender o mesmo direito aos outros de quem discordamos.

Por outro lado, também é fato que tal liberdade tem limites. Desde criança aprendemos que "sua liberdade termina onde começa a minha". Onde, exatamente, se marca essa linha é motivo de discussão. Por exemplo, evangélicos podem falar que é pecado o culto aos santos; mas podem chutar a estátua de uma santa em público? Tal ato é uma expressão de fé individual, mas para o qual estamos prontos a admitir a censura. A mesma censura nos proíbe de fazermos discursos homofóbicos, nazistas, racistas, etc. Qualquer expressão que incite a violência ou o ódio contra um determinado grupo da sociedade deve ser coibida com a devida censura. Similarmente, se eu expressar irresponsavelmente minha opinião sobre alguém, posso ser processado por difamação. Se chamar um negro de macaco no estádio dá cadeia aqui e na Europa, por que humilhar um fiel seria diferente?

No caso da Charlie, pode-se questionar se suas charges não eram excessivamente discriminatórias ou se poderiam estimular o ódio ou a violência. Quanto a isso, não vou me delongar, pois não leio a revista, mas penso que em muitos países caberia processo. Na França talvez não, pois eles se orgulham de sua Liberté. O problema é que a tal "Liberté" e sua parceira "Egalité" parecem ser aplicadas unilateralmente, uma vez que Muçulmanos são proibidos de rezar ou usar o hijab (véu islâmico integral) em público desde 2011 (veja a reportagem), pois isso "contraria valores seculares da França". Liberté e Egalité só valem para quem defende "valores seculares"?

Estou apreensivo com o que vai acontecer daqui para frente. O mundo vai começar a prestar mais atenção à multidão de Cristãos que são mortos todos os anos por Muçulmanos pelo simples fato de serem Cristãos? A liberdade de expressão vai ser ampliada, inclusive para grupos religiosos conservadores? Ou vão traçar novas leis para coibir ainda mais a liberdade religiosa na Europa? Vamos esperar para ver.

Ah, e quanto aos terroristas, devem ser tratados conforme a Surah 5, Ayah 45 - "vida por vida, olho por olho".

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Pedro era Amilenista?

Muitos Cristãos hoje em dia são Amilenistas, ou seja, não acreditam no Milênio. Acham que Jesus nunca vai reinar sobre a nação de Israel e que todas as profecias do Velho Testamento sobre a descendência de Abraão, Isaque, Jacó e Davi se cumprem figuradamente na Igreja ou, simplesmente, nunca se cumprirão. Para eles, a Igreja substituiu (anulou) Israel como nação de Deus na terra. Ou, então, acham que a Igreja é a continuação de Israel em todos os sentidos proféticos.

Com relação a essa posição, vale fazer algumas perguntas para se "pensar na cama":

De quem recebemos as doutrinas da Igreja?

Resp: De Jesus.

Quem Ele comissionou para comunicá-las a nós?

Resp: Os apóstolos.

Quando eles aprenderam essas doutrinas?

Resp: Durante Sua vida e durante os 40 dias após Sua ressurreição, quando Ele ensinou-lhes a entenderem as profecias do Velho Testamento e como aplicá-las corretamente.

Você não acha curioso que, mesmo após aproximadamente 3 anos de ministério antes da morte, mais 40 dias de ensino intensivo após a ressurreição de Jesus, os discípulos ainda mantivessem o conceito judaico de que o Reino de Deus seria a restauração literal do Reino a Israel?

"Aqueles, pois, que se haviam reunido perguntaram-lhe, dizendo: Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?", At 1:6.

E qual foi a resposta de Jesus? Por acaso Ele disse que eles tinham entendido tudo errado e que o Reino nunca mais seria restaurado a Israel? Não foi isso o que Ele disse, mas

"Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder.", At 1:7.

Ele apenas disse que não lhes competia saber o tempo, mas não negou a restauração do Reino Davídico. Sendo assim, não é de estranhar que Pedro, em seu discurso em Atos 3, tenha citado os profetas do Antigo Testamento para exortar os judeus a se arrependerem para que o Cristo voltasse e restaurasse todas as coisas:

"Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do Senhor, E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado. O qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio. Porque Moisés disse aos pais: O Senhor vosso Deus levantará de entre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser. E acontecerá que toda a alma que não escutar esse profeta será exterminada dentre o povo. Sim, e todos os profetas, desde Samuel, todos quantos depois falaram, também predisseram estes dias. Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra.", At 3:19-25 (ênfase minha).

Note que Pedro está se dirigindo à nação de Israel, não à Igreja, como sendo os filhos da aliança aqui. Aparentemente, Pedro acreditava que se Israel se arrependesse, o Cristo retornaria e inauguraria o Reino, onde todas as nações da terra seriam abençoadas. Claramente, Pedro considera que os "tempos da restauração de tudo" são uma época ainda futura, à parte do que já acontecera em Pentecostes.

Não sei qual é a sua posição sobre isso. Quanto a mim, ninguém tirará minha esperança, pois como filhos de Abraão segundo a fé, Deus nos reservou posição de destaque neste Reino:

"E ao que vencer, e guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei poder sobre as nações, E com vara de ferro as regerá; e serão quebradas como vasos de oleiro; como também recebi de meu Pai.", Ap 2:26-27.

"e reinaram com Cristo durante mil anos.", Ap 20:4b.