segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A estrela de Belém

Mateus capítulo 2 registra a curiosa história dos magos do oriente que visitam Jerusalém à procura do Rei dos Judeus. Eles indagam sobre o menino que nasceu, pois viram Sua estrela no oriente. Ao longo dos anos, esta história tem gerado uma série de indagações: quem eram os magos? De onde vieram? Como eles sabiam que o Rei dos judeus havia nascido? E, em particular, o que era a estrela e por que eles concluíram que ela tinha alguma ligação com o nascimento do Rei? Por que os judeus não viram esta estrela?

Anos atrás, um famoso astrônomo inglês chamado David Hughes publicou um artigo na revista Nature sobre uma possível explicação científica para a estrela de Belém. O artigo fez tanto sucesso que ele foi convidado a dar entrevistas na televisão e a escrever um livro sobre o assunto. Tive a oportunidade de assistir uma palestra em que ele explicou sua teoria, baseada em trabalhos anteriores de Johannes Kepler e outros cientistas. David Hughes notou que em 7 a.C. (historicamente, uma possível data para o nascimento de Cristo) ocorreu uma conjunção tripla (um tipo de alinhamento de planetas) entre Júpiter e Saturno na direção da constelação de peixes. Este alinhamento é muito raro e aparece no céu como se fosse uma grande estrela. Os magos, que provavelmente eram da Babilônia, teriam interpretado esta conjunção como sendo o nascimento do Rei dos judeus pela seguinte razão: muitos magos da época consideravam Júpiter como o "planeta real" e peixes como a constelação associada aos judeus, logo, planeta real + constelação dos judeus = rei dos judeus. Os judeus não tinham se interessado pela estrela porque não estavam acostumados a estudar as constelações. Quando os magos foram informados pelos escribas e sacerdotes judeus de que as profecias declaravam que o messias deveria nascer em Belém, partiram para o sul, e no caminho avistaram novamente a estrela, num novo alinhamento planetário que ocorreu durante aquela conjunção tripla. Desta vez, o alinhamento foi visto na direção sul, portanto, indicava a direção para Belém. Sabe-se que esta foi a última aparição deste fenômeno astronômico naquela época, de forma que a estrela "parou" sobre Belém.

Embora seja uma teoria interessante, existem dúvidas quanto à data dos eventos em relação à data do nascimento de Cristo. Ao final da palestra eu perguntei a ele se essa teoria não poderia justificar o uso de astrologia para outras previsões. Ele engasgou, pensou, divagou, e por fim concluiu que acha que isso foi uma exceção e que astrologia é uma farsa. É uma resposta razoável. Outros astrônomos têm sugerido que a estrela era um cometa, uma supernova (explosão de uma estrela), etc. Eu não sei o que ela era, pode também ter sido algo sobrenatural. Mas prefiro uma outra teoria sobre como os magos souberam que o Rei dos judeus tinha nascido. Supondo que os magos fossem da Babilônia, eles teriam tido contato com os escritos do profeta Daniel, que foi considerado o maior sábio da Babilônia por volta de 537 a. C., após interpretar um sonho do rei Nabucodonosor (Dn 2:1-49). Sendo assim, os magos provavelmente tinham acesso ao conteúdo do capítulo 9 do livro de Daniel:

Dn 9:24-25 - "Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santíssimo. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e o muro se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as assolações."

Estas palavras foram ditas a Daniel pelo anjo Gabriel, o mesmo que apareceu a Maria e José mais de 500 anos mais tarde (Lc 1:26). Nesta época, Jerusalém estava destruída e grande parte do povo judeu estava na Babilônia. O anjo anuncia o que vai acontecer em um prazo de 70 semanas sobre o povo de Daniel (os judeus) e sua cidade (Jerusalém), incluindo a reconstrução da cidade, o aparecimento do Messias e sua morte. Vamos deixar a septuagésima semana de lado por enquanto e nos concentrar nas outras 69. Para os judeus, uma semana pode significar 7 dias ou 7 anos (Lv 25:3-4). Neste caso, sabemos que trata-se de uma semana de 7 anos porque seria impossível o cumprimento da profecia em semanas de 7 dias, pois não daria tempo de reconstruir Jerusalém e ainda ver o nascimento e morte do Messias. Além disso, o livro de Apocalipse interpreta a metade da última semana desta profecia como sendo um período de 42 meses, ou seja, três anos e meio (Ap 13:5).

Sendo assim, podemos começar a contar os anos. Do decreto para reconstruir Jerusalém até o aparecimento do Messias são 7 (até o fim da primeira fase da reconstrução de Jerusalém) + 62 (até o Messias) = 69 semanas. Temos, então, 69 semanas = 69 x 7 = 483 anos. No calendário judaico, os anos têm 360 dias, portanto, 483 anos = 483 x 360 = 173.880 dias. Agora, só precisamos descobrir quando saiu a ordem para reconstruir Jerusalém e contar 173.880 dias a partir desta data. O decreto encontramos no livro de Neemias 2:1-8, onde a data é o ano vigésimo do rei Artaxerxes da Pérsia, no mês de Nisã (março-abril no nosso calendário). Registros históricos nos levam, então, a março ou abril de 444 a. C. (antes de Cristo) como a data para o decreto. Vamos fazer uma conta grosseira com estes dados. Primeiro, para descobrir quantos anos de 365 dias estão contidos nos 173.880 dias é só fazer 173.880/365 = 476 anos. Então, para saber que data obtemos quando contamos 476 anos a partir de 444 a. C., basta subtrair 444 de 476, e encontramos 32 d. C. (depois de Cristo). Mas, não existe ano zero, o calendário gregoriano vai de 1 a. C. a 1 d. C., portanto, a data a que chegamos é 33 d. C., exatamente o ano da morte de Cristo. Cálculos mais precisos feitos por alguns autores, levando em conta os anos bissextos (de 366 dias) e pequenas correções no calendário gregoriano, levam o cumprimento da sexagésima nona semana da profecia de Daniel para a semana da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, quando Ele foi aclamado pelas multidões como Messias. Poucos dias depois Ele foi crucificado. Anos depois, Jerusalém ("a cidade") e o templo ("o santuário") foram destruídos pelos romanos ("o povo do príncipe, que há de vir", não confunda ele com o Príncipe que foi morto), conforme a profecia.

Só para constar, o livro de Daniel foi traduzido para o grego por volta do ano 270 antes de Cristo, na famosa "Septuaginta", a versão em grego do Velho Testamento.

Voltando aos magos, se eles de fato tinham acesso ao que Daniel escreveu, era normal que esperassem um sinal do nascimento do Rei dos judeus, pois eles sabiam que estavam vivendo na geração que presenciaria aqueles fatos. Quando eles viram um sinal nos céus (seja lá o que for a estrela de Belém), concluíram, movidos pelo Espírito Santo, que o Rei havia nascido. Isto não significa que eles não eram idólatras ou astrólogos, mas Deus pode se revelar aos pagãos, se quiser, assim como fez com o profeta Balaão em certa ocasião (Nm 22:9). Esta conclusão é apenas uma teoria, mas se estiver correta, não foi por meio de astrologia que eles souberam do Messias, mas por meio da Palavra de Deus.

E você? Como responde ao nascimento do Rei Jesus?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Que amor é este?

Não, eu não li o livro do Dave Hunt com o título acima e, pelo que ouvi falar, não defendo a mesma tese que ele. Mas achei que o título era apropriado, pois eu gostaria de escrever sobre o amor de Deus dentro do contexto de Soteriologia (estudo da doutrina da salvação). Antes disso, vale fazer uma observação. Às vezes pode parecer perda de tempo ficar discutindo por causa de detalhes doutrinários complexos, sobre assuntos que não atraem a atenção da maioria das pessoas. Uma das razões para gastar tempo com isso é que a Palavra de Deus fala muito sobre estes assuntos e não acho certo simplesmente dizermos "Senhor, não quero ouvir o que tens a dizer sobre isso, pois não considero este um assunto importante".

Outra razão é que a sua posição sobre uma doutrina pode afetar sua conduta prática. Por exemplo, por que é importante saber se o novo nascimento vem antes ou depois da fé? Porque isso pode afetar a forma como você evangeliza. Muitas pessoas acham que porque Deus está no controle de tudo, não precisam falar de Cristo, pois Ele vai salvar os eleitos de qualquer jeito. Outros acham, corretamente, que Deus usa o método da pregação para alcançar Seu propósito de salvar o pecador, mas não precisamos nos esforçar para convencer os outros da verdade, pois a pessoa só vai crer depois que nascer de novo, e isso é obra de Deus. Então, se eu comunicar suscintamente o evangelho e orar, já fiz tudo que precisava e estava ao meu alcance. Isto é uma "meia verdade". Muitas pessoas são ganhas pela persistência de um evangelista em tentar convencê-los. Paulo tentava persuadir as pessoas a aceitarem o evangelho:

At 19:8 - "E, entrando na sinagoga, falou ousadamente por espaço de três meses, disputando e persuadindo-os acerca do reino de Deus."

Embora quem convença as pessoas seja o Espírito Santo (Jo 16:8), Ele também usa a argumentação Bíblica no processo. Como John MacArthur, que se diz um calvinista pleno, coloca:

"Quando você dá seu testemunho você não diz: 'Um dia eu estava andando e fui subitamente salvo. Num momento eu não sabia o que era um Cristão e agora eu sou um deles.' Não é tão simples. Tem que haver um ato da sua vontade para a salvação acontecer...Você foi salvo conscientemente, como um ato de sua vontade. Porém, a Bíblia diz que a salvação é um ato soberano de Deus, planejado antes da fundação do mundo (Ef 1:4). Ambos são verdade...Deus soberanamente motiva a sua vontade, mas ela tem que ser ativada. Ele sabe o que vai acontecer e irá cumprir Sua vontade..." (tradução minha)

Voltando ao assunto do título deste post, se Deus vai levar os crentes ao céu e lançar os incrédulos no inferno, como pode-se dizer que Ele ama a todos e que Jesus morreu por todos? Deus vai mandar alguém que Ele ama pro inferno?

Alguns calvinistas respondem que Deus só ama os eleitos e odeia os demais:

Sl 11:5 - "O Senhor prova o justo; porém ao ímpio e ao que ama a violência odeia a sua alma."

Vemos, então, que a ira de Deus está sobre os ímpios. Mas a coisa é um pouco mais complexa do que parece. Por exemplo, este texto não quer dizer que a ira de Deus não estava sobre mim também antes de eu me converter:

Ef 2:3 – "...éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais."

Antes de nos convertermos, éramos tão filhos da ira quanto os demais. Depois que nos convertemos, nos tornamos filhos da luz. Ninguém nasce filho da luz, nem mesmo os eleitos.

Jo 3:36 – "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece."

Entendo que a ira de Deus permanece sobre o que não crê, mas é removida daquele que crê. Note que esta ira não impede que Deus demonstre Seu amor aos pecadores. A ira está ligada ao fato de Deus ser justo e haver necessidade de pagamento por nossos pecados. Por outro lado, como Deus é amor (I Jo 4:16), misericordioso e tardio em irar-se (Jl 2:13), Ele enviou Seu Filho para pagar o preço (I Pe 2:24).

Outros calvinistas dizem que Deus ama todos, mas ama os eleitos de maneira especial. Deus manda bênçãos sobre justos e injustos, mas Jesus só morreu para pagar os pecados dos eleitos, e não de todas as pessoas. Isto é o que eles chamam de "expiação limitada". Segundo eles, os textos Bíblicos que dizem que Jesus morreu pelos pecados do mundo todo devem ser reinterpretados, pois a palavra "mundo" pode ter diferentes significados, dependendo do contexto. A idéia de um deus que quer salvar todos mas só consegue salvar alguns é inaceitável.

Jo 10:11 - "Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas."

Pelas ovelhas, não pelos bodes. Tudo bem, mas vamos checar isso mais a fundo. É fato que, na prática, o sangue de Jesus só paga pelos pecados dos que creem, até um arminiano aceita isto. Mas existe algo mais nessa história. Não vejo problema algum com o princípio de o sangue de Cristo tornar possível a salvação de qualquer homem. Este sangue deve ser oferecido a todos os homens, pois foi derramado por todos, e qualquer que quiser tem acesso a ele:

I Jo 2:2 – "E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo."

I Tm 2:4 – "Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade."

I Tm 2:6 – "O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a seu tempo."

I Tm 4:10 – "Porque para isto trabalhamos e lutamos, pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis."

Deus é o salvador de todos os homens porque Ele oferece salvação como um presente a todos. Mas Ele é o salvador principalmente (ou efetivamente) dos fiéis porque eles aceitaram este presente. O sangue de Cristo é suficiente para todos, mas eficaz somente para os que creem. Neste sentido, posso concordar que Deus ama os crentes de uma maneira diferente, pois estes são Seus filhos adotivos (Ef 1:5). Deus os escolheu antes da fundação do mundo, como os calvinistas ensinam. Sendo assim, nenhum dos que Ele determinou que serão salvos irá se perder e, portanto, Deus continua soberano. Os outros se perdem por sua própria culpa, a despeito do chamado de Deus para a salvação. Mas Jesus veio também por eles.

Jo 1:11 – "Veio para o que era seu, e os seus não o receberam."