segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Desventuras em série

Roteiro para abrir falência em três meses e meio:

18 de Junho de 2011:

Minha esposa, Lucy, estava para sair da garagem do nosso apartamento e acionou o portão pelo controle remoto. Sempre abrimos o portão a partir da nossa vaga, mesmo sem poder vê-lo, pois confiamos no sensor de segurança que bloqueia o portão em caso de algum carro ou pessoa estar entrando. Só que desta vez, por alguma razão o sensor parece não ter funcionado e o portão acabou batendo no carro da vizinha, que estava entrando bem na hora que a Lucy acionou o controle. Como o condomínio recusou-se a pagar pelo estrago, resolvemos dividir o conserto de R$600,00 com a vizinha. Tínhamos acabado de comprar os móveis da cozinha e esta conta não estava nos planos.

Julho:

Meu mês de férias de inverno. Tenho direito a duas semanas livres nesta época, mas tive que ficar trabalhando durante todos os dias, pois tinha que preparar um trabalho para apresentar em uma conferência sobre Física Solar em Estocolmo. O pessoal da Suécia concordou em pagar minha passagem e diárias. Assim, eu comprei a passagem mais barata que tinha, para não onerá-los. Mesmo assim, como tive que comprar a passagem em cima da hora, ficou caro: mais de R$3700,00. Paguei com cartão de crédito, aguardando o reembolso dos suecos.

Pensei em deixar tudo arrumado para a Lucy não ter problema com o carro durante estes dias: fazer a revisão mecânica dos 30.000 km e pagar o licenciamento. O mecânico foi uma facada: R$850,00. Paguei com o cartão de crédito. Depois, fui pro poupa-tempo pagar o licenciamento, seria R$70,00. Levei os comprovantes de pagamento de IPVA e DPVAT e fui pro caixa. Quando cheguei lá, a moça me passou a conta: R$1200,00.

- "Como assim, R$1200 ?!? São só R$70,00", eu exclamei.
- "Está marcado aqui no sistema", ela replicou. "IPVA + DPVAT + licenciamento".
- "Já paguei o IPVA e o DPVAT. Estão aqui os comprovantes".
- "Estranho. O sistema não registrou. Me passe o documento do carro que eu vou dar baixa".

Entreguei, confiante, o documento e os recibos.

- "Mas não é este carro, senhor". "O seu é um Ford Ka, este recibo é de um Celta".

Fiquei branco na hora. Paguei estas contas em janeiro. Claro, paguei do carro errado. As contas eram do antigo proprietário do apartamento. Quando elas chegaram em janeiro, paguei sem nem olhar de que carro era. Corri pro caixa eletrônico, saquei o dinheiro e fui pagar.

A esta altura, tive que fazer um empréstimo de R$3.000,00 para cobrir estas despesas e poder levar dinheiro para a Suécia para pagar as primeiras diárias, até que os suecos me reembolsassem. Preparei as malas e fui com a Lucy e minha filha Isabelle pro aeroporto. Dois meses me preparando para esta viagem, mas agora finalmente estava a ponto de embarcar. Imprimi os tickets e fui pro check-in.

- "Passaporte, por favor", disse a moça da Continental Airlines.
- "Aqui está".

Ela olha o passaporte de um lado a outro e me devolve:

- "Não tem visto americano nenhum aqui, senhor".
- "Claro que não tem. Estou indo pra Suécia, não pros Estados Unidos".
- "Mas seu vôo tem conexão em Nova Jersey."
- "Mas só vou trocar de Avião".
- "Mas precisa de visto assim mesmo".

Desta vez fiquei verde. Não pude acreditar. Fui pro guichê da Continental tentar um reembolso. Descobri que a passagem era não-reembolsável. Decepção total, fora o mico de ter que ligar pra Suécia dizendo que não ia aparecer porque fui ingênuo e não tirei o visto pro vôo de conexão. Isto sem falar que agora eu ia ter que arcar com todas as despezas. Pelo menos a Isabelle ficou feliz que o papai não ia mais ficar fora uma semana.

Resolvemos voltar de Guarulhos e ir para a casa dos meus pais em Mogi das Cruzes, antes de retornarmos a São José dos Campos. Estacionei o carro em frente ao apartamento e entramos. Descansei, fiz minhas ligações para a Suécia, matei saudade da comida da mamãe e fomos retornar a São José. Quando chegamos à rua, surpresa:

- "Ué, cadê o nosso carro?", a Lucy perguntou.
- "Roubaram", respondi.
- "Como assim roubaram?!"
- "Roubaram, não tá vendo?"
- "Erico, isso não pode estar acontecendo..."
- "Já aconteceu."

Foi meu primeiro carro zero km. Lembro-me do dia em que comprei, a moça da Ford havia dito: "O Ford Ka é muito difícil roubar, pois não dá pra fazer ligação direta". Sei... O mais chato é que eu tinha acabado de fazer aquela revisão dos R$850,00.

Agosto:

Mês do desgosto, é o que dizem. Empurramos todas as contas para setembro. Mas não podemos reclamar de nada. Vou pro trabalho de Mercedes todo dia, com direito a chofer. Em geral tenho que brigar para conseguir entrar, e às vezes viajo nos degraus, mas tudo bem. E no fim de semana os irmãos da igreja nos ajudam com caronas. O pastor de nossa igreja em São José até passou a nos emprestar seu único carro todo domingo:

- "Tem certeza, pastor? Do jeito que as coisas andam é meio arriscado...", eu disse a ele.
- "Descansa o coração, Erico. É um prazer ajudar."

Setembro:

Minha esposa já trabalha há quase dois meses como pianista de um côro da cidade e ainda não recebeu seu salário. Razões burocráticas. Além disso, para conseguir este emprego ela teve que registrar um CNPJ. Mas um erro no processo de registro pela internet fez com que ela contraísse uma dívida mensal de R$30,00 desnecessária. E parece ser bem complicado de consertar.

Domingo passado:

Estávamos indo para a igreja com o carro do pastor. Pista dupla, trânsito tranquilo. Segui pela pista da direita. A certa altura, o trânsito da pista da esquerda parou. Eu seguia tranquilo pela direita quando ouvi o canto de pneus do meu lado:

- Riinch...CRASH!!!

Um carro na esquerda não conseguiu parar a tempo e, para evitar bater de frente, jogou o carro para a direita com tudo e nos atingiu.

- "Erico, Deus está no controle. A gente não fez nada errado", disse a Lucy.

Paramos um pouco mais à frente para contabilizar o prejuízo. Não foi forte, mas raspou toda a lateral do Gol G-5 do pastor. Deve ficar em uns R$1000,00, espero que o outro motorista pague. Mas de qualquer jeito, uma batida é sempre um transtorno, principalmente quando o carro é emprestado.

Após trocarmos os dados de cada motorista, segui para a igreja, conversei com o pastor e ele disse, calmamente: "descansa o coração, Erico".

Durante o período de louvor, ergui os braços o mais alto que pude e cantei com gosto:

"Porque dEle, por Ele e para Ele são todas as coisas...A Ele a glória, a Ele a glória, a Ele a glória..."