quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Profeta

Cuidado! Os crentes querem te enganar. Não todos os crentes, mas muitos deles. Eles têm uma compulsão por manipular as pessoas e exercer uma suposta autoridade divina sobre a vida delas. Não sei se é porque são mal-intensionados ou simplesmente porque foram estimulados a fazer isto, mas eles adoram impressionar as pessoas e buscar auto-afirmação brincando de profetas. Usando frases feitas que começam com "assim diz o Senhor...", andam por aí fazendo previsões obscuras que encontram atenção nos ouvidos incautos de outros crentes.

Para ser mais claro, vou dar alguns exemplos que presenciei nos últimos anos.

Um dia, eu estava assistindo um famoso pregador na TV em uma pregação em praça pública, quando ele disse algo como:

"Agora, presta atenção no que eu vou dizer, porque é profético! Deus está dizendo que Ele vai restaurar a tua família. Que nenhum dos teus vai se perder!"

Nenhum vai se perder? De que família ele estava falando? Tinha milhares de pessoas ouvindo aquilo, fora os que assistiam pela TV. Todo mundo falou "Amém! Aleluia!". Mas, pra quem era a profecia? Pra todo mundo? Claro que não! Então, pra que serve uma profecia destas? É muito fácil falar uma coisa dessas, depois pegar um avião e nunca mais encontrar-se com aquelas pessoas para prestar contas da "profecia" proferida.

Em outra ocasião, um missionário visitou uma igreja em que eu estava presente e, em um momento de intercessão, sabendo que havia uma jovem com câncer no culto, falou diretamente com ela para que ela desse glória a Deus pela cura que ela já tinha recebido. Pouco tempo depois, a jovem faleceu em decorrência da doença.

Um "profeta" que passava pela calçada me encontrou na porta da igreja um dia e disse que eu tinha nascido em berço de ouro e que Deus ia me dar uma esposa. Certamente ele não sabia que eu nasci em um dos países mais pobres e primitivos do mundo e passei os primeiros anos de vida morando no mato. E certamente ele não percebeu que eu já tinha uma aliança na mão esquerda.

Às vezes, a vontade de acreditar é tão forte que quem ouve a profetada acaba recebendo uma mensagem do jeito que quer ouvir, e não do jeito que ela foi proferida. Por exemplo, assisti um vídeo em que um pastor disse que uma irmã lhe havia falado: "Deus me disse que você parou de fazer uma coisa que costumava fazer. Você tem que voltar a fazer aquilo. Faz sentido pra você?". Esta é uma típica frase usada por estes profetas. Falam algo genérico, que poderia ser aplicado a qualquer pessoa, e perguntam se faz sentido. O pastor em questão concluiu que Deus estava falando que ele deveria voltar a orar de madrugada na igreja, como costumava fazer no passado. Mas isto não foi o que a profetiza disse, foi o que ele subentendeu. Compare isto com as profecias da Bíblia e você vai perceber a diferença. Quando Deus quer passar uma mensagem, ele fala claramente, não fica dando margem pra pessoa adivinhar o significado da mensagem. Quando o profeta Ágabo falou com Paulo em Atos 10, foi muito claro: "você vai ser preso por judeus em Jerusalém e entregue aos gentios."

Certa vez eu estava almoçando com alguns crentes quando uma senhora se alterou subitamente e disse que estava "recebendo algo" sobre mim. Ela disse que eu ia receber uma mensagem, talvez uma carta. Só não sabia dizer o conteúdo da mensagem, nem o que eu devia fazer com aquilo. Que espécie de profecia é essa? Recebo dúzias de e-mails todos os dias, o que isso tem de especial? Outros tipos de profetadas bem populares são:

"Você vai fazer uma viagem", "Deus tem um plano na sua vida", "Sua igreja vai crescer", "Vi um caixão na sua sala", "Você vai ser um grande pregador", "Deus vai te dar aquilo que você está pedindo a Ele há muito tempo", etc. Estas coisas podem se aplicar a qualquer pessoa. Às vezes vai se cumprir, às vezes não. Às vezes a pessoa vai procurar agir de acordo com a palavra que recebeu, o que não significa que foi uma revelação sobrenatural de Deus.

O pior de tudo é que você pode até concordar com tudo o que eu escrevi acima e ainda assim você vai dizer que no seu caso foi diferente. A sua profecia foi real. Todo mundo diz isso. Bem, quem sou eu pra julgar suas experiências, já tenho muito trabalho com as minhas. Eu sei que existem relatos que parecem ser realmente sobrenaturais, mas não tem sido esta a minha (pequena) experiência pessoal. A maioria dos que estão por aí são falsos profetas, e tem sido assim desde os tempos bíblicos. O que eles falam pode não parecer prejudicial, mas falar algo em nome de Deus sem Ele ter mandado é muito perigoso. Cuidado com eles!

Jr 14:14 - "E disse-me o Senhor: Os profetas profetizam falsamente no meu nome; nunca os enviei, nem lhes dei ordem, nem lhes falei; visão falsa, e adivinhação, e vaidade, e o engano do seu coração é o que eles vos profetizam."

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Pastor ou Apóstolo?


Ef 4:11,12 - "E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo;"

Existe confusão entre as pessoas quanto a alguns termos que aparecem no Novo Testamento, como apóstolo, evangelista, profeta, bispo, presbítero, pastor, doutor (ou mestre), ancião e diácono. A palavra ancião é tradução do grego "presbiteros", ao passo que bispo, ou supervisor, é tradução de "episcopos". Trata-se de duas palavras distintas para o mesmo cargo de líder da igreja local. O nome "ancião" enfatiza a maturidade do homem, tanto em questões espirituais quanto em experiência de vida. A palavra "bispo" enfatiza a função de supervisor espiritual da igreja. Uma terceira palavra usada neste contexto é pastor ("poimen"), que foca na função de pastoreio exercida pelos anciãos. Apesar da popularidade do termo "pastor" hoje em dia, a palavra "poimen" aparece somente uma vez na Bíblia em associação com uma função na igreja, precisamente em Ef 4:11 (no entanto, na Bíblia em português, às vezes a palavra "presbiteros" foi traduzida como pastores). A maioria dos teólogos que consultei coloca "doutores" e "mestres" como sinônimos de pastores, uma vez que o final de Ef 4:11 pode ser traduzido como "...e outros para pastores, ou seja, doutores". Como doutores ou mestres são os que ensinam as Escrituras, a principal função do pastor é ensinar. Em geral esta função era exercida por anciãos, mas uma pessoa podia ter o dom de ensino/pastoreio sem ter o cargo de ancião.

Resumindo, as palavras ancião, presbítero e bispo referem-se ao mesmo cargo. Hoje em dia, a maioria das igrejas evangélicas daria o nome de pastor a tal cargo.

Assim, pastores são os que cuidam do rebanho, liderando, alimentando com a Palavra de Deus e zelando para que as ovelhas não se desgarrem. O papel do pastor não é primeiramente evangelizar os perdidos. Isto é tarefa de todos os crentes e em particular dos evangelistas. O pastor deve equipar as ovelhas com a verdade para que elas possam crescer de maneira saudável no conhecimento da Palavra.

Note que em Ef 4:12, citado acima, são as ovelhas que estão no ministério, não os pastores. O pastor é quem as prepara para o ministério. As ovelhas devem ir à igreja, ouvir os pastores ensinarem a Palavra de Deus para crescerem e amadurecerem, de forma que elas possam ministrar no serviço que Deus espera de cada uma delas. Este ministério individual não precisa ser um cargo na igreja, mas é o serviço diário de cada cristão, que envolve evangelizar o próximo, apoiar os irmãos e a prática das mutualidades descritas no Novo Testamento (os famosos "uns aos outros").

Os pastores devem ser escolhidos de acordo com os critérios descritos em I Tm 3:1-7 e Tt 1:5-9, que incluem capacidade de ensinar, conhecimento da Bíblia, capacidade de liderar comprovada pela forma como governam suas famílias e bom testemunho de vida, pois eles devem ser exemplo daquilo que ensinam:

I Pe 5:1-3: "AOS presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas SERVINDO DE EXEMPLO AO REBANHO."

Note que em nenhum lugar da Bíblia exige-se que os pastores sejam grandes ganhadores de almas, criativos, dinâmicos, divertidos, pró-ativos, visionários, etc. Algumas destas características podem ser úteis, mas elas não são requisitos para um bom pastor segundo a Bíblia.

Com relação aos diáconos, supõe-se que eles tenham sido instituídos em At 6 para servirem à igreja na distribuição de recursos às viúvas, embora o termo diácono só apareça pela primeira vez em Fp 1:1. A palavra diácono significa "servo", e parece que exerciam tarefas diversas que eram atribuídas pelos presbíteros. Os requisitos para a escolha de diáconos (I Tm 3:8-13) envolvem o mesmo padrão moral exigido dos pastores, só que dos diáconos não se cobra a capacidade de ensinar, pois esta não é sua tarefa.

Resta falar sobre apóstolos e profetas. Vamos tratar dos profetas em outra ocasião, quando falarmos do cânon da Bíblia. A palavra apóstolo significa "enviado", dando a idéia de alguém que é um representante oficial de outra pessoa. Um apóstolo tem uma posição de grande responsabilidade e age com poder e autoridade em nome daquele que o enviou. Quando Jesus selecionou 12 dos seus discípulos e os chamou de apóstolos (Lc 6:12-13), Ele conferiu a eles grande autoridade e poder para autenticarem sua mensagem por meio de sinais e assim estabelecerem os fundamentos sobre os quais a igreja seria edificada.

O único caso de sucessão apostólica mencionado na Bíblia ocorre em At 1:16-26, quando Matias foi escolhido para substituir Judas em cumprimento a uma profecia de Sl 109:8. Aqui, encontramos os requisitos para ser um dos 12 apóstolos: teria que ter estado com Jesus desde seu batismo até sua assunção, tendo ouvido seus ensinos e sendo testemunha ocular da Sua ressurreição, além de ser escolhido por Deus.

O grupo dos 12 apóstolos não pode ser ampliado, uma vez que seus nomes estão gravados nos fundamentos do muro da Nova Jerusalém (Ap. 21:14). O que dizer, então, de Paulo? Ele passava boa parte do tempo tendo que provar que era um apóstolo verdadeiro, igual aos 12 em autoridade (I Co 1:1; 9:1-5; II Co 1:1; 11:5; Gl 1:1-2:15; II Tm 1:1,11). Apesar de Paulo não ter acompanhado Jesus desde o início, ele viu o Cristo ressuscitado e foi pessoalmente escolhido por Ele (At 9:3-7, 17; 22:6-9; 26:12-16; I Co 15:8), tendo mostrado os sinais milagrosos de um verdadeiro apóstolo. A respeito de si mesmo, Paulo diz ser o último dos apóstolos, nascido fora de tempo (I Co 15:8), pois não esteve com Jesus desde o início. Outro que talvez possa ser qualificado como apóstolo foi Tiago, meio-irmão de Jesus e líder da igreja de Jerusalém, que foi testemunha ocular da ressurreição de Cristo (I Co 15:7) e contado com os apóstolos (Gl 1:19). Outro homem que é chamado de apóstolo é Barnabé (At 14:14).

Para entender porque diversos Cristãos foram chamados de apóstolos na Bíblia, apesar dos requisitos restritivos para a definição de apóstolo, note que em I Co 15, ao falar sobre a ressurreição de Cristo, Paulo menciona que Ele apareceu primeiro a Cefas, depois aos doze (v. 5, será que Matias estava presente?), depois por mais de quinhentos irmãos (v. 6), depois por Tiago e por "todos os apóstolos" (v. 7). Perceba que "todos os apóstolos" refere-se a outros que não os 12 ou Tiago. Com isso, pode-se concluir que havia outros apóstolos além dos
12, mas todos haviam visto o Cristo ressuscitado e sido chamados pessoalmente por ele. Possivelmente, este número inclui os 70 que Jesus havia enviado previamente a pregarem a chegada do Reino de Deus e operarem milagres (Lc 10). Pode ser que Barnabé fosse um desses, embora isso não possa ser verificado; é possível que ele tenha sido chamado de apóstolo apenas no sentido de alguém enviado pela Igreja para uma obra missionária. Seja como for, o último a ser comissionado pelo Cristo ressuscitado foi Paulo.

Assim, temos 2 classes de apóstolos: a primeira é formada por Paulo, os 12 e outros escolhidos e enviados pessoalmente por Jesus como seus representantes autorizados; a segunda é formada por alguns outros mencionados em Atos, escolhidos e enviados pelos apóstolos como representantes autorizados da Igreja. Não existem outros casos de sucessão dos 12 além de Matias. Quando Tiago, filho de Zebedeu, que era dos 12, foi morto por Herodes Agripa I (At 12:1-2), a igreja não o substituiu. Também não existem instruções nas epístolas sobre como escolher um apóstolo, embora haja instrução para a escolha de presbíteros e diáconos. Na verdade, em vista dos requisitos de um verdadeiro apóstolo, ninguém nascido após o primeiro século da era cristã se qualificaria como candidato. Paulo foi o derradeiro, como ele mesmo disse. Na verdade, concluímos que os apóstolos não são necessários na igreja atual, uma vez que sua tarefa era estabelecer a igreja e sua doutrina (Jo 14:26; 16:12-13; Ef 2:20). Como a doutrina já foi entregue de uma vez por todas (como veremos), apóstolos não são mais necessários. A igreja de Cristo deve ser governada por presbíteros e servida por diáconos. Nada de papas, apóstolos ou super-bispos.

Para mais informações, recomendo: Mal Couch, "A Bible handbook to the Acts of the Apostles", Kregel.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O dom de línguas

O assunto de línguas estranhas tem dividido evangélicos há décadas, com pessoas se colocando em um dos dois lados: o dos cessacionistas, que acham que os dons sobrenaturais cessaram com o fim da era apostólica, e o dos carismáticos, que acham que os dons ainda são a norma para a igreja de hoje.

Lembro-me de meus tempos de faculdade, quando uma aluna evangélica me disse que gostava dos batistas (eu sou batista), só não entendia por que nós não falávamos em línguas. Como eu não queria iniciar uma discussão com a irmã, disse apenas que “não precisamos. As pessoas no Brasil entendem português.”

Mas, afinal de contas, por que alguns cristãos falam em línguas e outros não? Por que este fenômeno permaneceu escondido ao longo da história da igreja e retornou no século XX? Não sou autoridade nestes assuntos em termos de experiência pessoal, portanto vou procurar apenas revisar alguns textos.

Primeiro, o que é o dom de línguas?
A definição deve ser, necessariamente, obtida a partir da descrição de Atos 2, pois este foi o primeiro momento na história em que o dom se manifestou.

“E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem...E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?”

Portanto, o dom de línguas é a capacidade sobrenatural de falar uma língua sem tê-la estudado. O termo grego traduzido por línguas em Atos 2 é glossa, que refere-se à língua como um órgão do corpo, ou à linguagem de um povo.

Algumas pessoas acham que o dom de línguas no livro de Atos refere-se a línguas estrangeiras e que em I Coríntios 12-14 refere-se a gemidos ou sílabas initeligíveis, pronunciados quando em um estado de êxtase espiritual. Seria a chamada “língua dos anjos”. No entanto, o termo grego em I Coríntios continua sendo glossa, e não há motivo na Bíblia para achar que trata-se de um outro dom, diferente do de Atos. Pelo contrário, compare o que diz o Senhor:

"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos." Mt 6:7

A expressão “vãs repetições” é uma tradução do grego battalogeo, que significa “ficar repetindo a mesma coisa, usar palavras vazias, falar de maneira ininteligível, tagarelar, falar sem pensar”. A palavra vem de uma composição entre batta e logeo (falar). Batta não é uma palavra, é apenas uma onomatopéia para indicar um som ininteligível. Naquela época, os pagãos envolvidos com as religiões de mistério falavam “em línguas”, apenas repetindo sons sem sentido. É como se Jesus estivesse dizendo: “não fiquem só falando bata, bata, bata, igual os pagãos. Suas orações devem ter sentido lógico.” Se Jesus condena a repetição de sons sem sentido em orações, por que Paulo diria que isto é um dom do Espírito? As línguas em I Coríntios, assim como em Atos, são linguagens coerentes e as mensagens são lógicas, e não barulhos estranhos de gente enrolando a língua. Da próxima vez que você ouvir alguma pessoa falando “bata, bata, bata...” em um culto, saiba que ela está fazendo isto na sua ignorância, movida por emocionalismo e não pelo Espírito Santo.

O dom do Espírito é um “sinal para os infiéis” (I Co 14:22). Sendo assim, é um milagre impressionante do Espírito Santo, não um barulho que qualquer um pode imitar. Também não é algo que se aprenda em curso, como já vi em algumas igrejas. Isto mesmo, curso de dom de línguas. Você aprende algumas palavras, solta a língua e repete à exaustão, até aquilo se tornar automático. Alguém pode me apontar um verso bíblico que ensine esta técnica? Também não vale decorar meia dúzia de palavras em aramaico e ficar usando elas de vez em quando.

O falso dom de línguas já causava divisão na igreja no segundo século da era cristã. Note o seguinte relato sobre um profeta chamado Montano (126-180 a. d.):
“Montano ficou fora de si, em uma espécie de frenesi e êxtase; ele delirou e começou a balbuciar e pronunciar coisas estranhas, profetizando em uma maneira contrária ao costume da Igreja, entregue pela tradição desde o princípio. Alguns dos que ouviram suas falas espúrias na época ficaram indignados, e o repreenderam como se ele estivesse possesso...Mas outros, imaginando-se possuídos pelo Espírito Santo e dotados do dom da profecia, se tornaram presunçosos... e foram enganados por ele.”, Eusebius, Ecclesiastical History 5.16-17 (http://biblefacts.org/history/mont.html, http://biblesanity.org/glossa.htm)
Conforme Eusébio e Asterius Urbanus, Montano acabou se enforcando, instigado pelo espírito que o tomou.

Mas, alguém pode perguntar: “como saber se meu dom de línguas é real ou não?”
Bem, do ponto de vista técnico pode-se fazer um experimento:

1 – Quando estiver falando em línguas, peça para alguém gravar

2 – Leve a gravação para 2 pessoas que dizem ter o dom da interpretação e peça para elas interpretarem, sem que uma delas saiba qual foi a interpretação dada pela outra

3 – Se os dois intérpretes chegarem à mesma tradução, avalie o conteúdo da mensagem para ver se é bíblico, lógico e coerente

4 – Se os intérpretes chegarem a resultados diferentes, um deles (ou ambos) está mentindo. Você vai ter que procurar um terceiro intérprete.

Como eu duvido que alguém vá tentar um experimento como estes, se você está convicto de que tem o dom de línguas, pelo menos saiba como usá-lo biblicamente:

“E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus.”, I Co 14:27-28

Não se deve usar Atos 2 para justificar o falar em línguas simultaneamente com outros irmãos, pois aquele foi um evento extremo, conforme discutido no post anterior. A regra para o uso dos dons no culto cristão encontra-se nas epístolas (I Co 14), não em Atos.

Respondendo à pergunta da aluna evangélica que mencionei no início deste artigo, por que não falo em línguas? Porque Deus não me deu o dom e eu não vou fingir que o tenho.

Como complemento, relaciono abaixo dois textos que indicam que o dom de línguas havia cessado, ou pelo menos “se escondido”, algum tempo após a era apostólica.
(http://biblesanity.org/glossa.htm, http://en.wikipedia.org/wiki/Glossolalia):

Crisóstomo (345-407 a. d.)
Comentando sobre I Coríntios 12: “Toda esta passagem é muito obscura: mas a obscuridade é devido à nossa ignorância dos fatos referidos e devido ao seu encerramento, de tal forma que eles costumavam ocorrer naquela época, mas agora não se observam mais.”, Chrystostom, Homilies on First Corinthians, xxix, 1
Agostinho de Hipona (354-430 a. d.).
“O Espírito Santo caiu sobre os crentes e eles falaram em línguas que não tinham aprendido, conforme o Espírito lhes dava elocução. Estes eram sinais adaptados àquela época, pois havia este sinal do Espírito Santo em todas as línguas para mostrar que o evangelho de Deus deveria se espalhar por toda a Terra. Aquilo foi feito como um sinal e se encerrou.”, Augustine, Homilies on the Gospel of John 6:10, in The Nicene and Post-Nicene Fathers [7:497-98]

sábado, 28 de agosto de 2010

Eventos Extremos

"E, CUMPRINDO-SE o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo lugar; E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados...E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem." At 2:1,2,4

"E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra...Porque os ouviam falar línguas, e magnificar a Deus." At 10:44,46

"Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos?...E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus." I Co 14:23,27-28

Então, qual texto você vai seguir? Atos ou I Coríntios? Falar todo mundo junto ou um de cada vez?

Tem mais:

"Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Os quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo (Porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados em nome do Senhor Jesus). Então lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo." At 8:14-17

"Disse-lhes: Recebestes vós já o Espírito Santo quando crestes? E eles disseram-lhe: Nós nem ainda ouvimos que haja Espírito Santo. Perguntou-lhes, então: Em que sois batizados então? E eles disseram: No batismo de João. Mas Paulo disse: Certamente João batizou com o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto é, em Jesus Cristo. E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas, e profetizavam." At 19:2-6

Compare com os textos abaixo:

"Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele." Rm 8:9

"Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa." Ef 1:13

"Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito" I Co 12:13

"Há um só corpo e um só Espírito...Um só Senhor, uma só fé, um só batismo;" Ef 4:4-5

Em Atos, tem discípulos recebendo o Espírito após a conversão, por meio de imposição de mãos, como se fosse uma segunda bênção. Nas Epístolas de Paulo, se alguém não tem o Espírito, não é de Deus (Rm 8:9); recebemos o Espírito na hora em que cremos (Ef 1:13); no batismo do Espírito somos colocados no corpo de Cristo (I Co 12:13), e não existe segunda bênção (Ef 4:4-5). Não existe alguém meio salvo. É igual mulher grávida, ou tá ou não tá.

Os acontecimentos de Atos são narrados como eventos extremos e não como experiências normativas da vida cristã. Eventos extremos são típicos de uma época de transição entre duas dispensações e cumprem o propósito de atestar as novas revelações de maneira incontestável.

Dentre as novidades encontradas no livro de Atos, destacam-se o batismo do Espírito Santo e o falar em línguas estranhas. Com relação a falar em línguas, vamos deixar para o próximo post. Vejamos o batismo do Espírito Santo. Costuma-se dizer que o livro de Atos não é o melhor lugar para se elaborar doutrinas para a Igreja. Mas, por que não? É tão inspirado quanto outro qualquer. O problema é que, como eu disse, Atos relata um período de transição entre a dispensação da Lei e da Igreja. As pessoas que eram salvas antes de Jesus vir ao mundo, debaixo da velha regra, não perderam a salvação quando Jesus veio. Muitos judeus e gentios tementes a Deus e praticantes do judaísmo moravam em outros países e levaram um bom tempo antes de ouvir falar sobre Jesus. Por outro lado, a maioria dos judeus consideravam os outros povos como raça inferior, desprezada por Deus e o simples contato com gentios tornaria um judeu imundo. Como Deus poderia mudar o coração dos discípulos para que entendessem que na nova dispensação, judeus e gentios salvos constituem um mesmo corpo? Isto necessitava de atitudes drásticas.

É claro que em Atos 2 os discípulos já eram Cristãos quando receberam o Espírito. Eles antes eram Cristãos porque criam em Cristo, mas não eram como nós, pois no dia de Pentecostes o Espírito começou uma obra nova nos corações, regenerando, habitando, selando e batizando os crentes na Igreja, ou seja, inserindo-os no corpo de Cristo. Todos os crentes presentes receberam o Espírito Santo. Isto foi o início do cumprimento das profecias sobre a circuncisão do coração (Dt 30:6) e Deus colocando Seu Espírito no Seu povo (Ez 36:26), o que se concretizará em escala nacional no Milênio.

Em Atos 8:14-17, os discípulos em Jerusalém ouviram que os samaritanos também tinham crido no evangelho. O evangelho tinha sido levado até lá por Filipe, que não era apóstolo e estava batizando-os com água (At 8:5,12). A Igreja em Jerusalém envia, então, Pedro e João, que oram e o Espírito vem sobre os novos convertidos. Certa vez conversei com um pastor batista que disse que não tinha certeza se o batismo do Espírito Santo acontece antes, durante ou após a conversão, ou se antes ou depois do batismo nas águas, por causa deste texto.

Para entender o que ocorreu, note que até então a igreja era composta exclusivamente de judeus. O avanço geográfico do evangelho traz um problema étnico aqui. Segundo Mal Couch, os samaritanos achavam que possuíam um “lugar escolhido por Yahweh”, o Monte Gerizim, onde eles construíram um templo. Para os judeus, os samaritanos eram piores do que estrangeiros; eles eram mestiços hereges, excomungados e “mais imundos do que carne de porco”. A presença apostólica de Pedro e João autenticou a igreja de Samaria e evitou um racha na igreja que emergia. Foi uma prova de que o Espírito veio sobre os samaritanos assim como havia vindo sobre os judeus em pentecostes. Lembre-se de que o mesmo João tinha demonstrado sua hostilidade contra os samaritanos antes, pedindo para Jesus mandar fogo dos céus para consumí-los (Lc 9:52-54).

Não se pode minimizar a importância deste evento. A unidade da Igreja foi preservada pela visitação apostólica e os samaritanos não foram deixados isolados. Além de evitar a criação de uma seita samaritana na igreja, esta experiência demonstrou aos crentes de Samaria que eles deviam estar debaixo da autoridade espiritual dos apóstolos judeus. Esta experiência não é uma regra para a Igreja. Foi um evento extremo para servir de “ponte” entre os judeus e os gentios. Em Samaria o evangelho começou a sair de Israel rumo às nações, provando que existe agora “um corpo e um Espírito...um Senhor, uma fé, um batismo” (Ef 4:4-5)

O evento descrito em At 19:2-6 é diferente em natureza. Aqui, Paulo pergunta a um grupo de discípulos em Éfeso se eles haviam recebido o Espírito quando creram. Esta pergunta revela que esta passou a ser a norma na Igreja: quando alguém crê, recebe o Espírito. A resposta destes discípulos revela que na verdade eles não conheciam o evangelho de Cristo. Eles tinham sido batizados por João Batista, e não sabiam que Jesus era o Messias anunciado por João. Eles eram santos do Velho Testamento. Após ouvirem o evangelho de Paulo, eles crêem e são batizados nas águas, recebendo o Espírito Santo por imposição de mãos, o que confirma a autoridade apostólica de Paulo. Este é um detalhe importante, estes eventos extremos da época de pentecostes sempre acontecem com a presença de um apóstolo. As epístolas do Novo Testamento não mencionam nada sobre segunda bênção (algo diferente de ser cheio do Espírito) e nem contêm instruções sobre como transferir o Espírito Santo por meio da imposição de mãos. E nem precisam, pois somente apóstolos tinham esta autoridade e não existem instruções sobre sucessão apostólica nas Epístolas. Não existem repetições de pentecostes.

Por falar nisso, o que é um apóstolo e por que dizemos que não existem apóstolos hoje? Fica pra próxima...

sábado, 17 de julho de 2010

A Salvação no Velho Testamento - Parte 4

Ignorar as diferenças entre as dispensações da Bíblia é a porta para a entrada da maioria das heresias que encontramos no Cristianismo. Por exemplo, Levítico 11 apresenta uma lista de animais imundos, que não devem ser comidos, incluindo o porco. Já I Tm 4:1-5 diz que proibir a ingestão de certos alimentos é ensino de demônios, pois "toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada." Esta mesma instrução de Deus sobre alimentos na dispensação da Igreja causou uma crise no apóstolo Pedro quando ele foi instruído por Deus a matar e comer animais imundos em uma visão em Atos 10. Aliás, o livro de Atos é outra porta de entrada para falsos ensinos, uma vez que descreve os eventos que ocorrem em um período de transição entre o Velho e o Novo Testamentos, onde acontecem fatos estranhos que não podem ser considerados como a norma para a igreja, como, por exemplo, alguém estar salvo sem ter o Espírito Santo.

Falando nisto, você não vai encontrar no Velho Testamento textos mostrando que o Espírito Santo regenerou alguém ou selou-o para o dia da redenção. O novo nascimento é profetizado como algo para o futuro em Ezequiel:

Ez 36:26-27 - "E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis."

Este texto refere-se a uma promessa de Deus de restaurar a nação de Israel, e terá cumprimento quando Israel se converter e Jesus inaugurar o Milênio, o Reino de Deus na Terra. Foi devido a textos como este que Jesus repreendeu Nicodemos por não saber que o novo nascimento era necessário para alguém entrar no Reino de Deus (Jo 3:1-10). Se Nicodemos era mestre em Israel, deveria entender Ezequiel 36.

Vemos, então, que a salvação na época da Lei é descrita com outra linguagem. Qual seria o ponto chave para alguém ser salvo?

É muito popular a idéia de que as pessoas deveriam guardar a Lei de Moisés para serem salvas. Neste caso, a salvação não seria garantida e alguém poderia perdê-la caso quebrasse algum mandamento.

Lv 18:5 - "Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o Senhor."

Paulo, ao citar este texto, comenta:

Gl 3:12 - "Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá."

Segundo a interpretação hiper-dispensacionalista de Timothy S. Morton, isto indica que a fé sozinha não poderia salvar o pecador. O que Deus queria de Israel era que eles cumprissem o que prometeram no Sinai:

Ex 19:8 - "Então todo o povo respondeu a uma voz, e disse: Tudo o que o Senhor tem falado, faremos. E relatou Moisés ao Senhor as palavras do povo."

Esta declaração soa como "Lordship salvation" pra mim, mas isto não é assunto pra hoje. Morton diz que se alguém quisesse agradar a Deus tentando obedecer Sua lei e oferecendo sacrifícios quando falhasse, naquele momento ele poderia considerar-se salvo. Mas, ao contrário do que acontece hoje, como nada espiritual tinha acontecido no interior de tal pessoa, sua salvação não era permanente e poderia ser perdida. Segundo ele, se Davi tivesse morrido enquanto estivesse em adultério com Bate Seba, teria ido para o inferno.

É verdade que a salvação era diferente na dispensação da Lei. Temos exemplos de Saul e Sansão, onde o Espírito de Deus os abandonou e, no caso de Sansão, retornou a ele antes da morte. O objeto da fé era diferente, uma vez que eles não tinham que aceitar Jesus como salvador, mas tinham que crer na Palavra de Deus. Alguns chegam a dizer que todos os judeus que saíram do Egito foram salvos, pois todos confiaram no sangue do cordeiro pascal para serem salvos do anjo da morte na décima praga. Uns acham que a maioria destes perdeu a salvação durante o êxodo, outros acham que continuaram salvos. Por mais difícil que seja saber as respostas, de uma coisa eu tenho convicção, que a salvação não dependia da perfeição em guardar ou não a Lei, mas da fé no Deus de Israel:

Sl 130:3-8 - "Se tu, Senhor, observares as iniqüidades, Senhor, quem subsistirá? Mas contigo está o perdão, para que sejas temido. Aguardo ao Senhor; a minha alma o aguarda, e espero na sua palavra. A minha alma anseia pelo Senhor, mais do que os guardas pela manhã, mais do que aqueles que guardam pela manhã. Espere Israel no Senhor, porque no Senhor há misericórdia, e nele há abundante redenção. E ele remirá a Israel de todas as suas iniqüidades."

Sl 32:1-2 - "Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade, e em cujo espírito não há engano."

Ou, conforme o comentário de Paulo sobre este Salmo: "Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras" - Rm 4:6

Quando a Bíblia diz que quem guardar a Lei viverá (Lv 18:5), está sendo literal. Havia pena de morte para a quebra de vários mandamentos, mas isto não implica, necessariamente, em condenação eterna. Mas, o que dizer de Gl 3:12?

"Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá."

Este texto é interpretado pelo versículo anterior:

Gl 3:11 - "E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé."

A Lei não é capaz de justificar ninguém, ela apenas diz o que é pecado e o que não é. E como ninguém é capaz de ficar sem pecar, ninguém é justificado pelas obras. Colocando os versos 11 e 12 juntos, a lei não é da fé, ela requer obras, mas como não podemos cumprí-la, só podemos ser justificados diante de Deus pela fé. A parte final do versículo 11 é uma citação de Habacuque 2:4, o que significa que mesmo no Velho Testamento a Lei não justificava ninguém. Ela servia para mostrar a santidade de Deus e a imperfeição do homem (Rm 7:7), além de restringir a maldade do homem, servindo como código penal da nação. Há muito proveito ainda hoje em se observar os aspectos morais encontrados na Lei e meditar sobre o significado espiritual dos rituais, mas ninguém jamais foi justificado ou salvo por ela. A salvação era pela fé em Deus e em Sua Palavra. Um exemplo é a conversão do pagão Naamã após ser curado de lepra pela fé na Palavra de Deus proferida por Eliseu:

II Re 5:15-19 - "Eis que agora sei que em toda a terra não há Deus senão em Israel...E disse Naamã: ... nunca mais oferecerá este teu servo holocausto nem sacrifício a outros deuses, senão ao Senhor. Nisto perdoe o Senhor a teu servo; quando meu senhor entrar na casa de Rimom para ali adorar, e ele se encostar na minha mão, e eu também tenha de me encurvar na casa de Rimom; quando assim me encurvar na casa de Rimom, nisto perdoe o Senhor a teu servo. E ele lhe disse: Vai em paz."

Naamã foi salvo pela fé no Deus de Israel, mas Eliseu não o obriga a guardar a Lei. Naamã volta à Síria, onde sabe que encontrará a realidade do paganismo imposto por seu rei. Por isso, pede perdão de antemão quando tiver que se curvar na casa de Rimom. Eliseu poderia ter dito que Naamã deveria resistir até a morte, mas não o fez. Disse apenas: vai em paz. Se fosse pelas obras, Naamã iria pro inferno, mas a graça de Deus se manifestou.

Concluindo, concordo com Timothy Morton quando ele diz que se alguém quisesse agradar a Deus tentando obedecer Sua lei e oferecendo sacrifícios quando falhasse, poderia considerar-se salvo. Mas discordo que a pessoa tivesse que fazer isto para ser salva. Ela faria isto como consequência de uma salvação que se deu pela fé em Deus.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Velho Testamento

Geralmente se ouve que a Bíblia está dividida em duas partes: o Velho e o Novo Testamentos. No Velho Testamento a salvação era pelo cumprimento da Lei (será?) e no Novo, pela fé em Jesus. Sendo assim, pode parecer estranho, à primeira vista, subdividir a Bíblia em várias dispensações, com regras próprias. Quem inventou estas outras divisões?

Primeiramente, a própria divisão da Bíblia em dois testamentos é uma obra humana. Deus não entregou a Bíblia em duas partes, uma com o rótulo "Velho Testamento" e outra com "Novo Testamento". Esta divisão em duas partes é uma colocação dos homens com base em um evento marcante na história: o nascimento de Cristo. Temos a história do mundo antes de Cristo e depois de Cristo. Mas, por que antes de Cristo é chamado de Velho Testamento? O termo refere-se à aliança, ou testamento, de Deus com Moisés e o povo de Israel. O sangue de Cristo representa um "Novo Testamento" de Deus com Israel. No entanto, existem outras alianças na Bíblia: Deus fez pacto com Noé, com Abraão, com Moisés, com Davi... Por que somente o pacto com Moisés nomeia o Velho Testamento? Isto é porque a maior parte da Bíblia se passa durante a época sob vigência da Lei Mosaica. Mas a divisão da Bíblia em partes menores é uma necessidade para qualquer um que queira entender o que está escrito, afinal de contas, todos os santos do livro de Gênesis viveram antes da Lei de Moisés, ou seja, antes do "Velho Testamento" entrar em vigor.

O que determina o fim de uma dispensação e início da próxima é um evento marcante que envolve uma intervenção de Deus que inclui novas revelações da Sua Palavra e uma clara mudança nas "regras da casa". Algumas coisas que valiam em uma dispensação não valem em outras. Por exemplo, a ordem de Deus para Adão e Eva não comerem do fruto proibido não faz sentido para os dias de hoje, uma vez que não existe mais a árvore do conhecimento do bem e do mal. Sacrifícios de animais são introduzidos na época da consciência, mas abolidos na época da Igreja. Promessas de prosperidade e domínio sobre os povos feitas no Velho Testamento não encontram cumprimento na vida dos santos do Novo Testamento. Simplesmente não dá para entender a Bíblia sem dividí-la corretamente.

Voltemos, então, ao ponto onde paramos no último artigo. Deus separou da descendência de Abraão um povo como Sua propriedade particular na terra. Eu já disse que as dispensações sempre terminam com o fracasso humano. No caso da dispensação da promessa, podemos ver claramente uma degeneração do caráter das pessoas com o passar das gerações. Abraão teve seus problemas, conforme já mencionamos. Seu filho Isaque seguiu o exemplo do pai e mentiu sobre sua esposa, dizendo que era sua irmã (Gn 26:7). Dos seus dois filhos, Esaú e Jacó, um era profano e o outro enganador. Os filhos de Jacó eram piores ainda, com exceção de José. Sua lista de pecados inclue traição e genocídio (Gn 34:25-27), adultério e prostituição (Gn 38:15-18), além de planejar o sequestro/homicídio de seu irmão (Gn 37:23-36). As promessas de Deus não foram suficientes para estimular a obediência na casa de Israel, de forma que eles foram forçados a sair da terra de Canaã para morarem no Egito, o que também foi cumprimento de uma profecia (Gn 15:13).

Aproximadamente quatrocentos anos se passaram desde a chamada de Abraão até o fim do cativeiro de Israel no Egito. Esta foi a duração da dispensação da promessa. Após Deus enviar as 10 pragas ao Egito e tirar Seu povo da escravidão, Ele o levou até o monte Sinai, onde revelou a Moisés a Sua Lei. Este é o início da dispensação da Lei. Durante esta transição, vemos novamente o fracasso humano quando o povo se corrompeu adorando o bezerro de ouro enquanto Moisés falava com Deus.

A Lei de Moisés é o Velho Testamento, propriamente dito. Mais precisamente, a Lei é a vontade de Deus para Israel naquela época e o pacto de Deus com eles dizia que se eles guardassem a Lei, Ele os abençoaria, senão, os amaldiçoaria (Dt 28). Como a consciência, o governo humano e as promessas de Deus não serviram para "domar" o espírito rebelde do homem, Deus apresenta agora uma lista com centenas de regras para governar cada aspecto da vida do seu povo. As bênçãos decorrentes da obediência incluíam:

"E SERÁ que, se ouvires a voz do Senhor teu Deus, tendo cuidado de guardar todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, o Senhor teu Deus te exaltará sobre todas as nações da terra...O Senhor entregará, feridos diante de ti, os teus inimigos, que se levantarem contra ti; por um caminho sairão contra ti, mas por sete caminhos fugirão da tua presença...E o Senhor te dará abundância de bens no fruto do teu ventre, e no fruto dos teus animais, e no fruto do teu solo, sobre a terra que o Senhor jurou a teus pais te dar. O Senhor te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar chuva à tua terra no seu tempo, e para abençoar toda a obra das tuas mãos; e emprestarás a muitas nações, porém tu não tomarás emprestado. E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda", Dt 28:1,7,11-13a

Percebeu que a ênfase está em coisas materiais? Não tem nada sobre céu ou inferno, novo nascimento, batismo no Espírito Santo, perdão de pecados, dons espirituais, paz interior ou outras bênçãos espirituais. A ênfase está na conquista da terra prometida, sua prosperidade, vitória sobre outras nações, saúde, dinheiro e fertilidade. Estas promessas foram dadas à nação de Israel somente, e não se aplicam a outros povos. Embora Deus, por sua bondade, possa abençoar uma nação que tema o Deus de Israel, não há como reivindicar estas promessas como se Deus fosse obrigado a cumprí-las, pois elas foram dadas a Israel. Antes de "tomar posse" de uma promessa de Deus devemos verficar se tal promessa foi dada a nós ou não. Se você acha que as bênçãos são para você, então deve considerar que as maldições também são:

"Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do Senhor teu Deus, para não cuidares em cumprir todos os seus mandamentos e os seus estatutos, que hoje te ordeno, então virão sobre ti todas estas maldições, e te alcançarão: Maldito serás tu na cidade, e maldito serás no campo. Maldito o teu cesto e a tua amassadeira. Maldito o fruto do teu ventre, e o fruto da tua terra, e as crias das tuas vacas, e das tuas ovelhas...O Senhor fará pegar em ti a pestilência, até que te consuma da terra a que passas a possuir...O Senhor te fará cair diante dos teus inimigos; por um caminho sairás contra eles, e por sete caminhos fugirás de diante deles, e serás espalhado por todos os reinos da terra. E o teu cadáver servirá de comida a todas as aves dos céus, e aos animais da terra; e ninguém os espantará.", Dt 28:15-18,21,25-26

Se você for aplicar estas palavras no nosso contexto hoje elas não farão sentido. Muitos ímpios vivem melhor do que muitos justos do ponto de vista de saúde, dinheiro, conforto, etc. A Bíblia só faz sentido se for lida dentro de cada contexto. Não estamos debaixo da Lei, as maldições não são para nós e nem as bênçãos. Vivemos debaixo de outro Testamento. Mais sobre isto no futuro.

No próximo post, vamos ver como alguém podia ser salvo na dispensação da Lei.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A Salvação no Velho Testamento - Parte 3

Não sabemos muito sobre os servos de Deus na época da Torre de Babel. A Bíblia enfatiza a rebeldia da humanidade, em geral, ao final da dispensação do governo humano, com a consequente proliferação dos cultos pagãos. A humanidade, intencionalmente, se afastara do Deus de Noé. Isto não quer dizer que não tenha havido pessoas salvas naquela época, apenas não temos informação sobre elas. Após a confusão das línguas em Gênesis 11:9, a Bíblia muda o foco para Abrão. Até o fim do Velho Testamento e durante a maior parte do Novo Testamento, o centro das atenções passa a ser a vida de Abrão (depois chamado de Abraão) e sua descendência. Deus decide se revelar à humanidade por meio deste homem. A ele são reveladas as promessas quando Deus lhe aparece pela primeira vez:

Gn 12:1-3 - "ORA, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra."

E ainda:

Gn 13:14-15 - "E disse o Senhor a Abrão, depois que Ló se apartou dele: Levanta agora os teus olhos, e olha desde o lugar onde estás, para o lado do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; Porque toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à tua descendência, para sempre."

Por estas promessas: muitos filhos, bênçãos e renome e a posse perpétua da terra de Canaã, esta dispensação é chamada de "Dispensação da Promessa". Ela se inicia com a chamada de Abrão e vai até a entrega dos 10 mandamentos em Sinai. Como sempre, Deus revela novas regras para os homens. Uma das novas revelações, já mencionada, é que Deus abençoará aqueles que estiverem do lado de Abrão. Por que esta preferência por Abrão? Por que Deus escolheu abençoá-lo? Será que ele já era um dos poucos que temiam a Deus mesmo antes de ser chamado? Será que sua família servia o Senhor em vez de falsos deuses?

Na verdade, sabemos que Abrão pertencia a uma família pagã, que seguia os cultos idólatras da região da Babilônia (Ur dos Caldeus):

Js 24:2 - “Então Josué disse a todo o povo: Assim diz o Senhor Deus de Israel: Além do rio habitaram antigamente vossos pais, Terá, pai de Abraão e pai de Naor; e serviram a outros deuses.”

Além deste texto, sabemos que mesmo depois de Deus se manifestar a Abrão, seus parentes continuaram pagãos, pois Labão, neto de Milca, esposa de Naor, irmão de Abraão, cultuava falsos deuses:

Gn 31:29-30 - "Poder havia em minha mão para vos fazer mal, mas o Deus de vosso pai me falou ontem à noite, dizendo: Guarda-te, que não fales com Jacó nem bem nem mal. E agora se querias ir embora, porquanto tinhas saudades de voltar à casa de teu pai, por que furtaste os meus deuses?"

Note que fica muito clara a distinção entre quem serve o verdadeiro Deus ("o Deus de vosso pai") e quem serve outros deuses ("meus deuses"). O Deus verdadeiro passa a ser conhecido como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó e Ele se revela até aos pagãos em visões. Mas, voltando à questão anterior sobre as razões para Deus ter escolhido Abraão, já que ele originalmente não servia ao Deus verdadeiro, será que havia alguma outra coisa boa nele que tenha chamado a atenção de Deus?

Eu ouvi que muitos rabinos consideram que Abraão era um dos homens mais justos que já houve. Segundo eles, Abraão teria cumprido a Lei de Deus muito antes de Moisés comunicá-la oficialmente ao povo de Israel:

Gn 26:5 - "Porquanto Abraão obedeceu à minha voz, e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos, e as minhas leis."

Deus escolheu Abraão porque sabia que ele iria guardar Sua lei? E que lei era esta? Abraão foi tão justo assim? Uma rápida leitura de Gênesis revela que Abraão não foi tão perfeito: mentiu duas vezes sobre sua mulher, dizendo que ela era sua irmã e permitindo que outros a tomassem como esposa (Gn 12:13; 20:2), dormiu com a escrava de Sara para gerar um filho (Gn 16:4), teve concubinas além de suas esposas, gerou filhos com elas e os afastou da família (Gn 25:5-6). Que lei é essa que ele guardou?

Apesar de todas as falhas, Abraão entra para a lista de heróis da fé de Hebreus 11 por um motivo: Abrahão creu em Deus. Ele não é considerado justo porque não pecou, mas:

Gn 15:6 - "Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça."

Deus imputou ou atribuiu justiça a Abraão por causa de sua fé e não de suas obras. Nisto, ele é talvez o melhor exemplo de salvação pela graça mediante a fé, no Velho Testamento. Como diz Paulo:

Rm 4:3-8 - "Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Ora, àquele que faz qualquer obra não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça."

Abraão não é um caso isolado, ele representa a forma como uma pessoa poderia ser salva naquele tempo: crendo no único Deus verdadeiro. E como sabemos que ele creu? Pela sua obediência às ordenanças ligadas às promessas de Deus. Quando Deus disse para ele sair da sua terra, ele saiu. Quando disse que ele teria filhos, ele creu (apesar de a fé ter vacilado em alguns momentos). Quando disse para circuncidar Isaque, ele o fez. Quando disse para matar Isaque, ele obedeceu. Por um lado, ele tinha muitos pecados que o impediriam de ser considerado digno da salvação, mas por outro lado, vemos pelas suas obras que ele tinha fé na Palavra de Deus. Vale observar que Abraão foi considerado justo logo na primeira aparição de Deus a ele. Ali, ele creu no SENHOR e abandonou o paganismo de seus pais. Foi sua experiência de conversão. A partir daquele momento ele passou a andar com Deus e suas obras subsequentes apenas nos revelam esta fé.

Então, por que Deus escolheu Abrahão e não outro qualquer? Deus sabia que ele tinha mais fé do que os outros? A Bíblia não nos diz. O mais importante nesta história não são os méritos de quem foi chamado, mas de quem chamou. Deus demonstrou Sua graça mais uma vez. Deus não dá satisfação a respeito de Suas escolhas. O fato é que Deus escolhe e chama, o homem crê, é justificado e responde em obediência. Havia outros salvos na época? Certamente. Melquisedeque, sacerdote do Deus Altíssimo, é um exemplo disso (Gn 14:18). Como foram salvos? São um remanescente que manteve a fé no Deus de Noé? Deus apareceu a eles em visões assim como fez com Abraão e Labão? Podemos apenas especular. Mas, sabemos que a partir da chamada de Abraão, Deus escolheu se manifestar ao mundo por meio de sua descendência. Aqueles que receberem o Deus deste povo serão salvos.

Jo 4:22b - "a salvação vem dos judeus."

terça-feira, 23 de março de 2010

Ninrode

As dispensações sempre acabaram em tragédia. A dispensação da inocência terminou com a queda no Éden, a da consciência com o dilúvio, e a seguinte, a dispensação do governo humano, termina com a torre de Babel. Antes de discutirmos as razões que levaram Deus a se zangar tanto com o povo por causa da torre, é preciso checar o que Deus ordenou ao homem nesta nova dispensação.

Quando Noé saiu da arca, Deus revelou-lhe quais eram as instruções da nova dispensação:

1 - O homem deveria se multiplicar e encher a terra:

Gn 9:1 - "E abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e disse-lhes: Frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra."

2 - O homem poderia comer carne, desde que fosse sem sangue:

Gn 9:3-4 - "Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento; tudo vos tenho dado como a erva verde. A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis."

3 - A pena de morte foi instituída:

Gn 9:6 - "Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem."

Este verso é o que explica o nome desta dispensação: governo humano. Note que na dispensação anterior, quando Caim matou Abel, Deus não disse que Caim deveria ser morto. Deus até o protegeu disto. Lameque matou dois homens e ninguém o puniu por isto (Gn 4:23). Agora, o homem passa a ser responsável por governar a sociedade, fazendo justiça em casos de homicídio. Como a geração pré-dilúvio fora extremamente violenta, Deus fez questão de estabelecer regras para que o homem aprendesse a valorizar a vida. Provavelmente, esta é a razão de Ele ter proibido os homens de comerem carne com sangue, pois o sangue representa a vida segundo Gn 9:4. Esta proibição certamente envolve questões de saúde também.

4 - O homem deveria se multiplicar e povoar a terra (Deus repete o mandamento):

Gn 9:7 - "Mas vós frutificai e multiplicai-vos; povoai abundantemente a terra, e multiplicai-vos nela."

Toda a população do mundo sabia a vontade de Deus: Noé, sua esposa, seus filhos Sem, Cam e Jafé, e as esposas deles. A salvação estava disponível a todos. Bastava que as gerações a partir de então cressem no Deus de Noé.

O capítulo 10 de Gênesis apresenta as gerações de Sem, Cam e Jafé. Não sabemos sobre a vida espiritual daquelas pessoas, mas um deles chama a atenção: Ninrode, um dos netos de Cam. Ninrode foi famoso em seu tempo, sendo chamado de "poderoso caçador diante do SENHOR" (Gn 10:9). Entre outras coisas ele é o fundador de Babel (v. 10) e de Nínive, na Assíria (v. 11). Babel é a chave para entendermos muito do que irá acontecer durante o restante da história da humanidade. Ninrode liderou os homens na construção desta cidade e da torre de Babel, que trouxe a ira de Deus sobre os homens. Mas qual era o problema de construir uma torre em Babel? Note que a razão para a construção da torre foi:

Gn 11:4 - "E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra."

Eles queriam glorificar seu próprio nome com um monumento gigantesco e, acima de tudo, não queriam ser espalhados por toda a terra. Mas isto foi uma desobediência ao claro mandamento de Deus para aquela dispensação de povoar toda a terra. Como consequência, Deus confundiu a linguagem das pessoas e cada um foi para um lado, de forma que o mandamento de Deus foi cumprido "na marra":

Gn 11:8 - "Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade."

Existe muito mais envolvido na construção de Babel do que pode parecer à primeira vista. É uma prova de que a maioria da humanidade havia se afastado do Deus de Noé. Ninrode foi o primeiro a tentar estabelecer um império ou governo secular fora da vontade de Deus, onde o homem seria glorificado. Após a confusão de línguas, eles perderam-se em seus próprios caminhos e foram fundar sociedades com sua própria cultura e religião. Em comum, estas sociedades tinham as histórias que haviam ouvido de seus pais sobre a criação, a queda, o dilúvio e babel. Sabemos que existem lendas sobre estas histórias espalhadas pelas mais diversas culturas do mundo antigo. Sabemos também que as religiões pagãs têm muitos elementos em comum. A origem de muitos destes elementos pode ser rastreada até Babel, na terra de Sinar, que é o termo hebraico para descrever a região da Suméria, onde também foi erguida a Assíria e a Babilônia (atual Iraque). Especula-se que a torre de Babel tenha sido um grande "Ziggurat", monumentos enormes encontrados na terra de Sinar com propósitos religiosos, envolvendo astrologia. Os antigos acreditavam que os Ziggurats eram habitações dos deuses (http://en.wikipedia.org/wiki/Ziggurat). O paganismo pós-dilúvio certamente espalhou-se pelo mundo a partir da terra de Sinar, de onde temos que a falsa religião é chamada no livro de Apocalipse de "a grande Babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra" (Ap 17:5). Vários elementos dos cultos babilônicos, tais como a adoração ao sol e o culto à rainha dos céus, podem ser encontrados nas religiões do antigo Egito, Grécia, Roma e até têm penetrado na igreja cristã (http://philologos.org/__eb-ttb/).

Depois de Babel, as religiões do mundo se dividiram em duas: os que servem a Deus de acordo com a verdade revelada na Sua Palavra, que formam a "noiva de Cristo" e a "Nova Jerusalém" (Ap 21:2-3), e os que seguem a falsa religião, que a Bíblia chama de "meretriz" e "Babilônia" (Ap 17:5). Nossa missão é resgatar almas da Babilônia (a cidade dos homens) para a Nova Jerusalém (a cidade de Deus), pois um dia Deus irá julgar a Babilônia, de onde a Bíblia nos alerta para nos separarmos dela:

Ap 18:1-5 - "E clamou fortemente com grande voz, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia, e se tornou morada de demônios, e coito de todo espírito imundo, e coito de toda ave imunda e odiável. Porque todas as nações beberam do vinho da ira da sua prostituição, e os reis da terra se prostituíram com ela; e os mercadores da terra se enriqueceram com a abundância de suas delícias. E ouvi outra voz do céu, que dizia: Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados, e para que não incorras nas suas pragas. Porque já os seus pecados se acumularam até ao céu, e Deus se lembrou das iniqüidades dela."

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A salvação no Velho Testamento – Parte 2

Não é tão fácil estabelecer a doutrina da salvação com base no Velho Testamento, uma vez que este descreve épocas distintas na história, as chamadas “dispensações”. Uma dispensação é um sistema de regras reveladas por Deus para governar a humanidade durante um certo período na história. Deus não revelou toda a verdade Bíblica de uma só vez, mas foi revelando Sua vontade de maneira progressiva por meio de Seus servos. Apesar das diferenças encontradas em cada dispensação, podemos tirar conclusões sólidas sobre a salvação com base nos exemplos encontrados em cada época, a começar pela chamada “época da inocência” ou “dispensação da inocência”, que vai da criação do homem até sua queda.

Adão e Eva nasceram salvos, criados para viverem eternamente em comunhão com Deus, povoar a terra e dominar sobre os animais (Gn 1:28). A queda no Éden marca o fracasso da humanidade em cumprir o plano estabelecido por Deus. Por causa do pecado, Deus os expulsou do Éden (e de Sua presença, ao que tudo indica) e toda a terra foi amaldiçoada (Gn 3:17). Muitas pessoas têm dificuldades para aceitar o relato Bíblico da queda, mas o capítulo 2 de Gênesis foi citado por Jesus como sendo Divinamente inspirado (Mt 19:4-6). Em meio a inúmeras interpretações simbólicas apresentadas pelos teólogos para os eventos descritos nos capítulos 2 e 3 de Gênesis, uma leitura literal ainda é a única opção consistente com a forma como os autores do Novo Testamento se referem ao texto (veja, por exemplo, Rm 5:12,14).

Adão e Eva foram salvos? Tudo indica que sim, pela maneira como eles ensinaram seus filhos Caim e Abel a trazerem ofertas a Deus e pela forma como Eva louva a Deus após o nascimento de seus filhos (Gn 4:1,25). E como é que foram salvos? Deus escolheu salvá-los. Ele foi misericordioso e salvou-os pela graça. Não por suas obras de justiça, a única obra foi realizada por Deus, matando um animal e fazendo vestimentas de pele para cobrir a nudez deles (Gn 3:21). Eles apenas aceitaram a salvação. A partir deste momento, todos os seres humanos vão precisar ser salvos de alguma maneira. Aqui, nota-se um padrão que irá se repetir em todas as dispensações:

1 - Deus revela Sua vontade;

2 – A humanidade fracassa em cumprir esta vontade;

3 - Deus tem que agir com misericórdia para que haja salvação;

4 – Esta salvação depende de fé e da graça de Deus.

Esta sequência pode ser percebida na segunda dispensação, a dispensação da “consciência”, que vai da queda até o dilúvio. Não sabemos muito sobre o que Deus comunicou aos homens nesta época, mas uma coisa é clara nas palavras de Deus a Caim:

Gn 4:7 – “Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar.”

O homem adquiriu discernimento entre o certo e o errado após comer do fruto proibido no Éden e isto lhe deu uma aparente independência. No entanto, Deus alertou Caim sobre o desejo do pecado. A ordem era para que este desejo fosse dominado. Assim, Deus manda o homem usar sua consciência (daí o nome desta dispensação) para escolher fazer o que é certo. Não existia uma lista de mandamentos morais, o homem tinha que tomar suas decisões com base na consciência. Sabemos que Caim falhou neste ponto. Mas será que era possível ser salvo baseado apenas na consciência? Obediência à voz interior que diz o que é certo e errado era suficiente?

Os capítulos 4 a 6 de Gênesis relatam o fracasso da humanidade em cumprir a vontade de Deus, com listas de pecados que incluem homicídios, poligamia, e violência generalizada, que culminaram na destruição de quase toda a humanidade no dilúvio. A humanidade, de uma maneira geral, fracassou novamente. Mas, houve pessoas salvas neste período, tais como Abel, Enoque, Noé e muitos outros. Como eles foram salvos? Por boas obras ou pela graça mediante a fé? Fé em quê? Vamos tentar responder isto observando um exemplo. Por que a oferta de Abel foi aceita por Deus? Por que foi acompanhada de fé:

Hb 11:4 – “Pela fé Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo...”

Ou seja, Abel foi considerado justo pela fé. Fé em quê? Fé que Deus queria uma oferta “das primícias do seu rebanho e da gordura deste” (Gn 4:4). Ele matou e ofereceu um animal. Como ele sabia que Deus queria isto? A consciência dele lhe disse isso? Não creio. É necessário algo mais do que a consciência para que alguém agrade a Deus. É necessário que Deus revele o que Ele quer diretamente aos homens. Apesar de não estar escrito na Bíblia, penso que Deus revelou a necessidade de sacrifícios para Adão e Eva (talvez pelo exemplo do animal morto no Éden) e eles deviam instruir seus filhos neste caminho. Derramamento de sangue como forma de adoração ao fim desta dispensação é visto novamente quando Noé sai da arca e oferece holocaustos em Gn 8:20.

Outra coisa que Deus revelou naquela dispensação foi uma profecia sobre a vinda de Deus para julgar os ímpios:

Jd 14-15 – “E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos; Para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele.”

Hoje sabemos que isso se cumprirá na segunda vinda de Cristo, mas Enoque não tinha conhecimento sobre estes detalhes naquela época.

Concluindo: Deus usou a consciência para gerar convicção de pecados. A consciência mostrava que o homem não deveria pecar, mas não oferecia nenhuma solução caso o homem pecasse. Era necessário fé para ofertar sacrifícios de animais a Deus. Somente os que creram na mensagem transmitida de pai para filho e na pregação de homens como Enoque e Noé foram salvos. Estes demonstraram sua fé por meio de uma vida justa; são os que “andaram com Deus”. Os demais pereceram como consequência de sua rejeição aos caminhos do Senhor. É preciso ter fé em Deus para ser salvo. A salvação sempre foi pela graça, mediante a fé na Palavra revelada por Deus. As boas obras eram, e ainda são, consequência de uma vida de fé.

domingo, 31 de janeiro de 2010

A Salvação no Velho Testamento - Parte 1

Vivemos na época da graça, onde a salvação é pela fé em Jesus e Seu sacrifício na cruz por nossos pecados. Uma pergunta que muitos fazem é sobre como era a salvação antes de Cristo vir ao mundo. Será que as pessoas tinham que guardar a Lei de Moisés para serem salvas? Uma vez que a Lei foi dada aos judeus, como os gentios (todos os não-judeus) poderiam ser salvos? E antes da Lei, como as pessoas eram salvas?

Antes de comentar sobre a salvação em eras passadas, vale a pena gastar um pouco de tempo com o próprio conceito de um Deus imutável. Muitos entendem que o Deus do Velho Testamento é muito diferente do Deus do Novo Testamento. O primeiro era duro, irado e legalista, o segundo é manso, simpático e gracioso. Um dia um colega tentou me convencer disto dizendo que Moisés ensinou que o povo devia temer a Deus, mas Jesus ensinou que devemos amar a Deus (ele certamente não conhecia Dt 6:5 e I Pe 2:17). Os gnósticos na época dos apóstolos ensinavam que o deus do Velho Testamento não era o mesmo Deus do Novo. Eles tinham a idéia do dualismo, onde o mundo espiritual é santo e bom e o mundo físico é mal e profano. Mas, como pode um Deus santo criar algo mal? Os gnósticos resolveram este dilema ensinando que o único e verdadeiro Deus não criou o mundo físico; eles criaram a idéia dos "aeons", que seriam emanações vindas de Deus. Cada emanação está um pouco mais distante de Deus, sendo menos pura e menos espiritual. No final desta sequência de aeons veio um ser que ainda conservava poderes divinos, mas estava suficientemente distante do Deus original para poder criar algo impuro como o mundo físico. Este ser, chamado de "demiurge", foi identificado pelos gnósticos do século dois como sendo YaHWeH, o Deus do Velho Testamento. O famoso escritor H. G. Wells defendia esta posição. É importante que você saiba estas coisas caso alguém queira falar sobre livros apócrifos, como o "evangelho" de Tomé, que revela influência gnóstica e certamente não foi escrito pelo apóstolo Tomé.

As respostas para nossas questões sobre Deus só podem ser respondidas por Ele mesmo e, sendo assim, devemos recorrer à Palavra de Deus, e esta você só vai encontrar na Bíblia. Sobre o Deus do Novo Testamento ser o mesmo do Velho é muito claro, mas não custa citar Hebreus:

Hb 1:1-3 - "Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho, A quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo. O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas"

Então, o Deus que falou pelos profetas do Velho Testamento é o mesmo que falou por meio de Jesus no Novo Testamento, e Jesus é a imagem exata deste Deus. Então, se você conhece Jesus, conhece o Pai. As mesmas características presentes em Jesus têm que estar presentes no Pai, e não importa se você está lendo o novo ou o velho testamento, pois Deus não muda:

Ml 3:6a - "Porque eu, o Senhor, não mudo;"

Isto não significa que o plano dEle para a humanidade não tenha etapas distintas ao longo da história, mas Deus não muda. Seus atributos são eternos, alguns dos quais podem ser reconhecidos na própria criação (Rm 1:19-20), ao contrário do que os gnósticos dizem.

Mas, então, como explicar a aparente discrepância entre a descrição de Deus nos dois Testamentos? Na verdade, a discrepância não está nos atributos de Deus. Compare os textos abaixo.


Sobre a severidade de Deus no Novo Testamento:

Hb 10:26-27,30-31 – “Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, Mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários... Porque bem conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo.” (textos como este são “proibidos” em muitos púlpitos evangélicos hoje em dia)

Ananias e Safira foram fulminados por Deus por causa de uma mentira (Atos 5); o rei Herodes foi morto por um anjo porque não deu glória a Deus (At 12:23); Jesus falou mais sobre o inferno do que qualquer outra pessoa na Bíblia; quase todo o livro de Apocalipse descreve os tormentos dos juízos futuros de Deus sobre a humanidade, e por aí vai... não sei de onde tiraram esta imagem de um Deus frágil, alegrinho, quase efeminado que muitos estão pintando hoje em dia.


Sobre a longanimidade de Deus no Velho Testamento (longanimidade é aquilo que faz Deus se conter em face a provocações, é o oposto de raiva, segundo o dicionário Vine):

Jl 2:13 - “...convertei-vos ao Senhor vosso Deus; porque ele é misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em benignidade, e se arrepende do mal.”


Sobre a Lei de Deus no Novo Testamento:

I Co 9:21 – “...não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo...”

Jo 14:21 – “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.”


Sobre a Graça de Deus no Velho Testamento:

Jr 18:7-8 - “Se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação, e acerca dum reino, para arrancar, para derribar e para destruir, e se aquela nação, contra a qual falar, se converter da sua maldade, também eu me arrependerei do mal que intentava fazer-lhe.

Exemplo claro disso é a conversão da cidade de Nínive, descrita no livro de Jonas, onde milhares foram salvos pela graça, mediante a fé.

É claro que o Velho Testamento apresenta guerras e matanças em nome de Deus que não vemos no Novo Testamento. Mas para entender isto vamos estudar, no futuro, as dispensações. Por hora, basta nos convencermos de que Deus sempre quis salvar os pecadores, tanto no Velho quanto no Novo Testamento, e vamos ver qual foi a forma que Ele escolheu para isto antes da vinda de Cristo.