segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A salvação no Velho Testamento – Parte 2

Não é tão fácil estabelecer a doutrina da salvação com base no Velho Testamento, uma vez que este descreve épocas distintas na história, as chamadas “dispensações”. Uma dispensação é um sistema de regras reveladas por Deus para governar a humanidade durante um certo período na história. Deus não revelou toda a verdade Bíblica de uma só vez, mas foi revelando Sua vontade de maneira progressiva por meio de Seus servos. Apesar das diferenças encontradas em cada dispensação, podemos tirar conclusões sólidas sobre a salvação com base nos exemplos encontrados em cada época, a começar pela chamada “época da inocência” ou “dispensação da inocência”, que vai da criação do homem até sua queda.

Adão e Eva nasceram salvos, criados para viverem eternamente em comunhão com Deus, povoar a terra e dominar sobre os animais (Gn 1:28). A queda no Éden marca o fracasso da humanidade em cumprir o plano estabelecido por Deus. Por causa do pecado, Deus os expulsou do Éden (e de Sua presença, ao que tudo indica) e toda a terra foi amaldiçoada (Gn 3:17). Muitas pessoas têm dificuldades para aceitar o relato Bíblico da queda, mas o capítulo 2 de Gênesis foi citado por Jesus como sendo Divinamente inspirado (Mt 19:4-6). Em meio a inúmeras interpretações simbólicas apresentadas pelos teólogos para os eventos descritos nos capítulos 2 e 3 de Gênesis, uma leitura literal ainda é a única opção consistente com a forma como os autores do Novo Testamento se referem ao texto (veja, por exemplo, Rm 5:12,14).

Adão e Eva foram salvos? Tudo indica que sim, pela maneira como eles ensinaram seus filhos Caim e Abel a trazerem ofertas a Deus e pela forma como Eva louva a Deus após o nascimento de seus filhos (Gn 4:1,25). E como é que foram salvos? Deus escolheu salvá-los. Ele foi misericordioso e salvou-os pela graça. Não por suas obras de justiça, a única obra foi realizada por Deus, matando um animal e fazendo vestimentas de pele para cobrir a nudez deles (Gn 3:21). Eles apenas aceitaram a salvação. A partir deste momento, todos os seres humanos vão precisar ser salvos de alguma maneira. Aqui, nota-se um padrão que irá se repetir em todas as dispensações:

1 - Deus revela Sua vontade;

2 – A humanidade fracassa em cumprir esta vontade;

3 - Deus tem que agir com misericórdia para que haja salvação;

4 – Esta salvação depende de fé e da graça de Deus.

Esta sequência pode ser percebida na segunda dispensação, a dispensação da “consciência”, que vai da queda até o dilúvio. Não sabemos muito sobre o que Deus comunicou aos homens nesta época, mas uma coisa é clara nas palavras de Deus a Caim:

Gn 4:7 – “Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar.”

O homem adquiriu discernimento entre o certo e o errado após comer do fruto proibido no Éden e isto lhe deu uma aparente independência. No entanto, Deus alertou Caim sobre o desejo do pecado. A ordem era para que este desejo fosse dominado. Assim, Deus manda o homem usar sua consciência (daí o nome desta dispensação) para escolher fazer o que é certo. Não existia uma lista de mandamentos morais, o homem tinha que tomar suas decisões com base na consciência. Sabemos que Caim falhou neste ponto. Mas será que era possível ser salvo baseado apenas na consciência? Obediência à voz interior que diz o que é certo e errado era suficiente?

Os capítulos 4 a 6 de Gênesis relatam o fracasso da humanidade em cumprir a vontade de Deus, com listas de pecados que incluem homicídios, poligamia, e violência generalizada, que culminaram na destruição de quase toda a humanidade no dilúvio. A humanidade, de uma maneira geral, fracassou novamente. Mas, houve pessoas salvas neste período, tais como Abel, Enoque, Noé e muitos outros. Como eles foram salvos? Por boas obras ou pela graça mediante a fé? Fé em quê? Vamos tentar responder isto observando um exemplo. Por que a oferta de Abel foi aceita por Deus? Por que foi acompanhada de fé:

Hb 11:4 – “Pela fé Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo...”

Ou seja, Abel foi considerado justo pela fé. Fé em quê? Fé que Deus queria uma oferta “das primícias do seu rebanho e da gordura deste” (Gn 4:4). Ele matou e ofereceu um animal. Como ele sabia que Deus queria isto? A consciência dele lhe disse isso? Não creio. É necessário algo mais do que a consciência para que alguém agrade a Deus. É necessário que Deus revele o que Ele quer diretamente aos homens. Apesar de não estar escrito na Bíblia, penso que Deus revelou a necessidade de sacrifícios para Adão e Eva (talvez pelo exemplo do animal morto no Éden) e eles deviam instruir seus filhos neste caminho. Derramamento de sangue como forma de adoração ao fim desta dispensação é visto novamente quando Noé sai da arca e oferece holocaustos em Gn 8:20.

Outra coisa que Deus revelou naquela dispensação foi uma profecia sobre a vinda de Deus para julgar os ímpios:

Jd 14-15 – “E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos; Para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele.”

Hoje sabemos que isso se cumprirá na segunda vinda de Cristo, mas Enoque não tinha conhecimento sobre estes detalhes naquela época.

Concluindo: Deus usou a consciência para gerar convicção de pecados. A consciência mostrava que o homem não deveria pecar, mas não oferecia nenhuma solução caso o homem pecasse. Era necessário fé para ofertar sacrifícios de animais a Deus. Somente os que creram na mensagem transmitida de pai para filho e na pregação de homens como Enoque e Noé foram salvos. Estes demonstraram sua fé por meio de uma vida justa; são os que “andaram com Deus”. Os demais pereceram como consequência de sua rejeição aos caminhos do Senhor. É preciso ter fé em Deus para ser salvo. A salvação sempre foi pela graça, mediante a fé na Palavra revelada por Deus. As boas obras eram, e ainda são, consequência de uma vida de fé.

5 comentários:

  1. Caro Érico,

    Os últimos posts me agradaram bastante, e gostaria de tomar a liberdade de sugerir alguns temas a que você discorresse no futuro, se for do seu interesse.

    - Qual o plano de Deus para o casamento (o que ele imaginou e determinou), em contraponto ao que existe no nosso mundo
    - O que é lícito pedir em oração
    - Qual a proposta da 1a morte no plano da criação de Deus
    - Qual era a ordem social que Deus intituiria caso o homem não tivesse pecado
    - Porque Deus se importa tanto conosco, se muitos passarão pela 1a morte e as gerações apenas se alternam
    - Andar com Deus (ou em Cristo) é nossa escolha pessoal? Ou somos escolhidos por ele?

    São perguntas simples e bobas, mas que gerariam boas discussões.

    Obrigado.

    ResponderExcluir
  2. Helder,

    Obrigado pelas sugestões. Vou tentar incluir algumas nas discussões atuais e depois criar séries próprias para outras delas, havendo oportunidade. Isto pode levar algum tempo, pois ainda estou na segunda dispensação, mas temos até a vinda de Cristo para pensar nisto...

    Não entendi uma de suas sugestões:
    "Porque Deus se importa tanto conosco, se muitos passarão pela 1a morte e as gerações apenas se alternam"

    Por favor, explique melhor.

    Erico

    ResponderExcluir
  3. Érico,

    Minha intenção não é debandar para a filosofia. Acredito na soberania de Deus, e esse mundo e tudo o que nele há a ele pertence. O que eu quis dizer nessa pergunta segue muito a linha da minha 2a pergunta, a respeito da oração.

    Assim, eu gostaria de saber para Deus a nossa felicidade é importante (pode parecer absurdo!, mas é muito sutil). É lícito eu orar pra buscar sabedoria, ou pra ele abençoar meu casamento, ou pra ele permitir que eu tenha uma família maravilhosa que ande na casa dele? Essas coisas, que pra mim são determinantes, pra ele também é?

    Digo isso porque já vi o tempo passar pra muita gente, já vi coisas e situações mudarem drasticamente, e não sei até que ponto a culpa é nossa, ou o mundo é assim mesmo.

    Só queria saber se é lícito eu orar e pedir que Deus ajude a eu orientar a minha vida, mesmo sabendo que nem tudo dura pra sempre. É difícil explicar, mas é essa a ideia.

    ResponderExcluir
  4. Nem sempre sabemos como orar, mas devemos ter em mente que Deus tem prazer em nos dar boas coisas e devemos perseverar em oração por aquilo que julgamos ser bom pra nós (veja Mateus 7:7-11). Nem tudo que desejamos é lícito conforme Tg 4:3, mas certamente Deus se importa com nossa felicidade. Isto não quer dizer que Ele tenha determinado que seremos felizes segundo nossa definição de felicidade, ou seja, não existem promessas no Novo Testamento que garantam que se o Cristão amar a Deus e for obediente ele terá uma excelente família (depende se todos são crentes), saúde, abundância de bens e será liberto da violência do mundo. Existem mais garantias de perseguição para nós do que de "vida boa", mas acho que não é exatamente isto que você quer dizer. Você mencionou mais coisas espirituais do que materiais. Todos os que somos casados ou pretendemos nos casar devemos sonhar com uma família feliz que anda com Deus. Deus se agrada disto, senão não teria dado tantas instruções para que soubéssemos escolher a esposa/marido com sabedoria. Por exemplo, a Bíblia fala que o cônjuge deve ser crente (I Co 9:5, I Co 7:39, II Co 6:14-18), mas não só isto, o livro de Provérbios deixa bem claro os males e benefícios de nossa escolha de cônjuge (Pv 31:10-, Pv 12:4, Pv 21:19). E, por fim, Cantares de Salomão é um manual de como deve ser o amor entre um homem e uma mulher tementes a Deus. Eu li que os judeus ortodoxos têm este livro em especial reverência no cânon, e sua leitura só é permitida aos jovens quando atingem maturidade suficiente para pensarem seriamente no casamento. O casamento é uma criação de Deus, e Ele o determinou como forma de construir uma vida melhor, e de educar os filhos na verdade, é por isso que Satanás ataca tanto esta instituição.

    Tendo dito isto, sabemos que nem sempre as coisas correm como planejado. Procuramos fazer tudo "certinho", mas as coisas não dão certo. Conheço pessoas consagradas, que consagraram os filhos a Deus, oraram a vida inteira por eles e isto não impediu que um ou outro se desviassem ou mesmo se perdessem. Os pais têm responsabilidade sobre os filhos até certa idade, depois disso cada um responde por suas escolhas. Por que Deus permite que o mal aconteça com Seus filhos é uma questão que há longo tempo tem perturbado as mentes das pessoas. Muitas vezes não vamos encontrar respostas, mas devemos confiar que no final tudo colabora para a glória dEle, e ele irá recompensar os que perseverarem nesta fé.

    Mas continue orando e pedindo sabedoria. E observe que, em verdade, as famílias que buscam a Deus unidas em oração são de fato muito mais felizes.

    Tg 1:5 - "E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada."

    ResponderExcluir
  5. Érico,

    Muito obrigado pela resposta. Gostei bastante do que li, principalmente a respeito do casamento. De fato mencionei mais coisas espirituais do que materiais, porque as coisas espirituais são a base que orientam nossas decisões no mundo não-espiritual (pelo menos para um crente).

    Realmente, a decisão final a respeito do futuro dos filhos não cabe integralmente aos pais (é claro que estes tem parcela considerável nisso) - não podemos esquecer que também são seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus e possuem livre arbítrio.

    As suas palavras me motivaram a buscar Deus de maneira perseverante. Se Deus dá a sabedoria liberalmente a todos, por que não a mim? Só me resta orar agora incessantemente pra que ele ilumine a minha vida, porque é do meu interesse constituir uma família aos moldes do que foi designado na Bíblia.

    Muito obrigado.

    ResponderExcluir