Eu estava conversando com um hindu outro dia e ele disse que acredita em destino, que isso facilita a vida. "Se ocorreu alguma tragédia, não preciso me desesperar, pois isso foi a vontade de deus", disse ele. Claro que eu aproveitei para mostrar quem era o verdadeiro Deus e qual era a Sua vontade para a vida dele, mas é curioso notar que a idéia de um deus que controla tudo também está presente em religiões pagãs e é capaz de produzir certa paz interior. Por outro lado, a mesma idéia pode ser usada para tentar isentar os homens da responsabilidade por seus atos. Este é o clássico problema da soberania de Deus versus a responsabilidade do homem. Biblicamente, não podemos negar nenhum dos dois lados.
O calvinismo é uma forma de interpretar a Bíblia que leva em forte consideração a soberania de Deus em todos os aspectos da criação. Deus faz o que quer e Sua vontade sempre será cumprida:
Sl 115:3 - "Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou."
Sl 135:6 - "Tudo o que o Senhor quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos."
Ef 1:11 - "Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;"
Sendo Ele o criador e o Senhor, ninguém pode contestá-lO perguntando "por que nasci assim?", "por que aconteceu esta tragédia?", "por que Ele deixou a criança morrer de fome?" ou "por que Ele escolheu Jacó e não Esaú?". Certas respostas simplesmente não nos pertencem. O calvinismo tenta explicar a doutrina da salvação de maneira lógica e Bíblica, partindo da soberania de Deus. Existem diferentes pontos de vista entre os calvinistas e seria impossível comentar amplamente o assunto em um blog. Resumidamente, o calvinismo ensina que:
1 - Deus enviou Jesus ao mundo e ordena aos homens que se arrependam e creiam nEle;
2 - Como o homem natural não entende as coisas espirituais e seu coração é totalmente depravado, seu desejo não é voltado para as coisas de Deus, e consequentemente, se for depender apenas do seu próprio livre arbítrio, ninguém vem a Deus (Rm 3:10-11);
3 - Deus, então, escolheu incondicionalmente alguns para serem salvos, a fim de mostrar as riquezas da Sua graça (Rm 9:14-23). A estes Ele amou e predestinou para serem seus filhos adotivos (Ef 1:5).
4 - Aos que Ele predestinou, Ele também salvou, quebrantando seus corações e conduzindo-os a Jesus. Somente estes têm condição de crer no evangelho, pois tiveram sua vontade transformada pelo Espírito Santo:
Jo 6:65 - "E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido."
5 - Por outro lado, todo aquele que é tocado pelo Pai, é conduzido a Jesus de maneira irresistível:
Jo 6:37 - "Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora."
6 - Os que vêm a Jesus não perdem a salvação, mas perseveram até o final pelo poder de Cristo:
Jo 6:39 - "E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia."
Jo 6:44 - "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia."
7 - Como consequência de tudo isso, e considerando que Deus é soberano e faz tudo que lhe apraz, conclui-se que Jesus morreu para pagar pelos pecados apenas dos eleitos, e não pelos do mundo inteiro, pois se os pecados do mundo todo tivessem sido pagos, ninguém seria condenado.
Note que alguns calvinistas não negam a existência do livre arbítrio, como posso ter deixado transparecer no post sobre precognição. Eles negam que o livre arbítrio possa nos levar à salvação, pois o arbítrio está amarrado à vontade humana, e esta vontade é naturalmente contrária à vontade de Deus. Pela definição do dicionário Aurélio, livre arbítrio é o "poder, faculdade de decidir, de escolher, de determinar, dependente apenas da vontade". Em geral, os calvinistas preferem a expressão "livre agência" em vez de "livre arbítrio" nesse caso. Fica claro que a vontade humana precisa ser "quebrada" por Deus antes que possa haver salvação. Os calvinistas propõem a existência de uma graça irresistível, pela qual Deus transforma a vontade dos eleitos somente, o que é diferente da graça preveniente dos arminianos, pela qual Deus ilumina todas as pessoas, indiscriminadamente. Olhando a sequência de 7 pontos acima, o calvinismo parece ser algo lógico e bem fundamentado, apesar de talvez não ser uma descrição agradável para muitos. Existem, entretanto, algumas questões que geram divergência no meio calvinista e que merecem maior consideração, e vou comentar apenas uma delas neste post.
Primeiro, para que a graça irresistível funcione, o calvinismo ensina que o novo nascimento tem que ocorrer antes de a pessoa ter fé em Jesus. Isto porque a pessoa sem Cristo está morta em seus pecados, e um morto não faz nada sem que Jesus o ressuscite antes:
Ef 2:5 - "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos),"
Como John Piper coloca:
"Cremos que o novo nascimento é uma criação milagrosa de Deus que habilita uma pessoa que estava "morta" a receber Cristo e ser salva. Nós não achamos que a fé precede e causa o novo nascimento. A fé é uma evidência de que Deus nos regenerou." (tradução minha)
Ou ainda, conforme D. Steele e C. Thomas:
"O Espírito Santo cria dentro do pecador um novo coração ou uma nova criatura. Isto é feito por meio da regeneração ou novo nascimento, por meio do qual o pecador se torna um filho de Deus e recebe vida espiritual. Sua vontade é regenerada por este processo de tal forma que ele vem a Cristo..." ("Five Points of Calvinism Defended", tradução minha)
Logo, tem-se uma situação em que uma pessoa nasce de novo antes de receber Jesus como salvador. É regenerada primeiro e só depois vai crer em Cristo (isso do ponto de vista de causa e efeito, pois do ponto de vista cronológico, ambas as coisas ocorrem ao mesmo tempo). A pessoa é salva contra sua vontade. Essa teoria parece se chocar com os seguintes textos, que sugerem que a fé em Cristo seja condição para a salvação, e não consequência dela:
At 6:30b-31 - "...Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar? E eles disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa."
Rm 10:9 - "A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo."
Ef 2:8 - "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus."
Jo 1:12 - "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome;"
Pode-se dizer que fomos eleitos incondicionalmente antes da fundação do mundo segundo o plano de Deus (Ef 1:5), mas o ato da salvação é condicional, somente os que crerem serão salvos. Mas só os eleitos acabam crendo.
Note que a maioria dos calvinistas interpreta "mortos em nossas ofensas" em Ef 2:5 como se o incrédulo fosse literalmente um cadáver, incapaz de responder a estímulos. Entendo que o incrédulo está "morto" no sentido de estar separado de Deus por causa do pecado (Ef 2:3), mas Deus pode iluminá-lo com a verdade e produzir a fé que resultará em salvação. Por mais irônico que seja, vou citar John Piper para explicar como isso pode ser:
"O que a soberania do Espírito significa é que quando Deus escolhe, ele pode vencer a rebelião e resistência da nossa vontade. Ele pode fazer Cristo parecer tão atrativo que nossa resistência é quebrada e nós livremente vamos a ele e o recebemos e cremos nele." ("The Free Will of the Wind", tradução minha)
Se é assim ou não que Deus convece o pecador eu não sei, a Bíblia não nos dá todas as respostas. Mas sei que, mesmo estando morto, você pode dar ouvidos à voz do Filho de Deus e receber a vida:
Jo 5:25 - "Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão."
E você? Já deu ouvidos à voz de Jesus?
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Esse assunto é um vespeiro e, quando começam as discussões sobre calvinismo vs livre arbítrio em um grupo, pode ter certeza, elas vão andar em círculos indefinidamente, até os envolvidos se cansarem, e ninguém convencer ninguém... na minha experiência, pelo menos.
ResponderExcluirQuando leio a Bíblia, à vezes paro em um texto e faço uma anotação mental: "versículo calvinista" (Ex.: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia." João 6:44) ou "versículo arminiano" (Ex.: "E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo" João 1:2). É até engraçado, a impressão é de que os conceitos estão brigando entre si lá mesmo, na Palavra. O melhor que consigo fazer é assumir que não sei, que não entendo tudo, mas não quero jogar fora um versículo porque acredito mais em outro. Também não gosto quando forçam o texto a dizer o que realmente não parece estar dizendo, como: "todos significa todos os escolhidos".
Para mim, existe uma área entre um conceito e o outro, não é um ponto, é uma região com fronteiras pouco definidas. É por ali que eu fico.
P.S.: Pela minha contagem, bem grosseira, parece que há mais versículos "calvinistas" do que "arminianos", alguém tem um placar oficial?
Os calvinistas costumam polarizar as pessoas como calvinistas ou arminianistas. Se você se afasta de um detalhe do calvinismo clássico, vai ser chamado de arminianista. Mesmo o John Piper, que se diz defensor dos 5 pontos do calvinismo, é chamado de herege e arminianista pelos calvinistas mais extremos. Veja o link abaixo:
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=r5T7CkSbpOs
Acho que o grupo que está mais perto da verdade são os Plymouth Brethren, John Darby, Miles J. Stanford, Lewis S. Chafer e o pessoal mais antigo do Seminário de Dallas: Dwight Pentecost, Charles Ryrie, etc. Eles não distorcem as Escrituras para explicar sua teologia e, de uma maneira geral, as coisas parecem se encaixar harmoniosamente. Veja o artigo abaixo:
http://withchrist.org/sovereignty.htm
Erico
ResponderExcluirPerdoe-me ter demorado a acrescentar o meu comentario, conforme nos falamos ao telefone, mas sabe como eh, a correria do dia-a-dia...
O meu comentario foi extraido do livro 'Conhecendo as doutrinas da Biblia' de Myer Pearlman, capitulo VIII, parte V, intitulada 'A Seguranca da Salvacao'.
Inicialmente Myer Pearlman explica que a doutrina do Calvnismo nao foi criada por ele, mas foi ensinada por Santo Agostinho.
O autor apela para o 'equilibrio escrituristico': ambas as doutrinas podem encontrar base em versiculos biblicos, mas, a solucao pratica consiste em evitar os extremos antibiblicos e evitar colocar uma ideia em aberto antagonismo contra a outra. Os dois extremos devem ser evitados. Nao eh prudente insitir falando indevidamente dos perigos da vida crista. Maior enfase deve ser dada aos meios de seguranca: o poder de Cristo como Salvador, a fidelidade do Espirito Santo que habita em nos, a certeza das divinas promessas e a eficacia infalivel da oracao.
O autor nos apresenta o exemplo de Charles Finney: quando Finney ministrava em uma comunidade onde a graca de Deus havia recebido excessiva enfase, ele acentuava muito a responsabilidade do homem. Quando dirigia trabalhos em localidades onde a responsabilidade humana e obras haviam diso fortemente defendidas, ele acentuava a graca de Deus.
Quando deixamos os misterios da predestinacao e nos damos ah obra pratica de salvar almas, nao temos dificuldades com o assunto: John Wesley era arminiano e George Whitefield calvinista; entretanto, ambos conduziram milhares de almas a Cristo.
Um abracao
Graca e Paz
Nilson
Arrebentou irmão. Isso mesmo. Feliz por seu comentário. Hoje sou um cristão muito feliz, depois que entendi melhor a graça de Deus e procuro o equilíbrio. Porque antes não lia nenhum autor de base calvinista e só hoje percebo o quanto estava perdendo.
ExcluirÓtimo ponto, Nilson. Charles Spurgeon era calvinista, mas fazia apelo como se fosse arminianista. Os arminianistas são calvinistas quando oram para Deus mudar o coração de alguém. Isto não quer dizer que ambos os lados estão certos ou são igualmente bíblicos, mas existem pontos certos em ambos os lados, e de maneira nenhuma devemos perder a comunhão com algum irmão porque ele pensa diferente com relação a estes assuntos. Os problemas aparecem quando um dos lados começa a achar que o outro não é salvo porque prega um "outro evangelho", que na verdade não é outro, pois ambos pregam salvação pela graça por meio da fé.
ResponderExcluirAinda assim, vamos continuar "escavando" as Escrituras para tentar nos aproximar cada vez mais da verdade.
Erico
Oi Erico,
ResponderExcluirsobre algumas dúvidas ou questionamentos do calvinismo, sugiro os seguintes livros:
1) Os batistas e a doutrina da eleição (Robert B. Selph)
2) Deus é soberano (A.W.Pink)
No primeiro livro, na segunda parte dele, o autor se dedica a explicar os principais questionamentos, como por exemplo o que tu colocaste sobre apelo realizado pelos calvinistas, ou regeneração antes da fé.
Acho que em algumas colocações do teu texto, tu estás fazendo referença aos hiper-calvinistas, J.Piper é calvinista e não hiper-calvinista, por isso recebe críticas do setor extremo. Em particular acho que nenhum extremo é sadio.
Grande abraço.
Alejandro
Desculpa... tinha esquecido três sugestões mais, três pregações:
ResponderExcluir1) Eleição (C.Spurgeon): http://www.monergismo.com/textos/chspurgeon/Eleicao_Spurgeon.htm
2) Amei a Jacó, e aborreci Esaú (C.H.Spurgeon: http://prbeto-estudosteologicos.blogspot.com/2008/09/amei-jac-e-aborreci-esa-rm813.html
3) Election pure and simple (Jeff Noblitt): http://www.sermonaudio.com/sermoninfo.asp?SID=42307194719
Ao irmão fundador do blog, receba meu abraço e respeito pela simplicidade "Formação Teológica: vou à igreja desde criancinha, tenho uma Bíblia e sei ler." Gostei.
ResponderExcluirOutro abraço!
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