quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Premonição

Premonição, precognição ou predestinação? O que você acha que se encaixa melhor com o papel de Deus na salvação? Deixe-me explicar melhor: como muitos sabem, já há séculos existe uma verdadeira "guerra civil" no meio cristão a respeito de como Deus faz para salvar as pessoas. Será que é Ele quem determina, em Sua soberania, quem vai ser salvo ou não, ou será que somos nós que determinamos isso baseados em nosso livre arbítrio? Existe um meio termo? A Bíblia traz respostas conclusivas sobre isso?

Antes de comentar sobre a salvação, precisamos gastar algum tempo para esclarecer os 3 termos:

1) Premonição: Acontecimento ou experiência tomados como sinal de que algo vai acontecer (presságio). Forte sensação de que algo está prestes a acontecer (pressentimento) (dicionário Priberam).

2) Precognição: Conhecimento antecipado; presciência (dicionário Priberam).

3) Predestinação: O propósito de Deus desde os tempos da eternidade com respeito a todos os eventos; especialmente, a preordenação dos homens para felicidade ou miséria eternas (dicionário Noah Webster, tradução minha).

Em outras palavras: 1 - Deus tem uma idéia do que vai acontecer no futuro, mas não sabe ao certo tudo (não é onisciente); 2 - Deus sabe exatamente o que vai acontecer no futuro e age de acordo; 3 - Deus não só sabe, como determina tudo o que vai acontecer. A primeira opção parece um monstrengo, mas na verdade tem gente que acredita nisso. São os defensores do "Teísmo Aberto" ou sua forma mais moderada, a "Teologia Relacional". Conforme o Teísmo aberto, Deus tem um plano para a humanidade, mas este plano não prevê tudo o que vai acontecer. Deus se adapta de acordo com as circunstâncias, e age de acordo com o livre arbítrio humano. A Teologia Relacional defende que Deus não interfere nas escolhas de suas criaturas, mas apenas se relaciona com elas. Os dois maiores defensores da teologia relacional no Brasil são os pastores Ricardo Gondim e Ed René Kivitz, e talvez seja melhor usar suas próprias palavras para explicar essa teologia. Ricardo Godim diz (fonte):

"Não consigo acreditar numa divindade que tudo ordena, que tudo dispõe e que tudo orquestra...Não creio que ele tenha uma "vontade permissiva" que deixa que horrores se alastrarem (sic) para subrepiticiamente cumprir uma 'vontade soberna' (sic). Não o percebo com começo, meio e fim da história prontos; ou que no presente esteja contente em administrar cada nano evento preordenado em sua providência."

Ou seja, ele afirma que a história não tem começo, meio e fim prontos, mas se desenrola de acordo com o livre arbítrio do homem. Como pode, então, Deus saber o futuro com precisão? O teísmo aberto diz que Ele não sabe; a teologia relacional prefere se omitir.

Ed René Kivitz completa (fonte):

"Essa coisa de 'Deus tem um plano para cada criatura' é incoerente em relação à fé cristã, pois seres criados à imagem e semelhança de Deus não podem ser privados da liberdade. Ou os seres humanos são responsáveis pelos seus destinos, ou não podem ser julgados moralmente".

A conclusão destes pastores é motivada pela dificuldade em conciliar a idéia de um Deus todo poderoso e plenamente soberano com a idéia de seres humanos totalmente livres e responsáveis por seus atos. Em suma, dada a dificuldade de se explicar porque coisas ruins acontecem com pessoas "boas" e "inocentes", tem-se a tendência de negar a mão de Deus sobre tais acontecimentos. Por mais difícil que seja o assunto, qualquer tentativa de explicação que negue a soberania de Deus ou a responsabilidade humana acaba desembocando em heresias. Devemos admitir o mistério nestas questões e nos curvar ao que diz a Bíblia:

Dt 32:39 - "Vede agora que eu, eu o sou, e mais nenhum deus há além de mim; eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro, e ninguém há que escape da minha mão."

Jó 2:10b - "...receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios."

Is 46:9b-10 - "... eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim. Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade."

Sl 139:16 - "Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia."

Rm 8:28 - "E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito."

Descanse. Você não precisa entender todas as coisas, mas pode confiar que a mão de Deus está em todas elas para o seu bem e para honra e glória do Seu nome. Ele, de fato, está no controle.

Uma vez descartada a premonição, podemos explorar a doutrina da salvação com as duas opções que nos restaram: precognição e predestinação.

5 comentários:

  1. Excelente artigo.
    Estaremos orando por voce e sua familia e o teu ministerio.
    Precisamos alcancar esta nova geracao de jovens no Brasil, assim como fomos alcancados tambem na nossa juventude.

    Nilson

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  2. Érico,

    Vou colocar algumas coisas que eu penso.

    i) Deus está no controle de todas as coisas e nos oferece liberdade. Não sei como, e não pretendo saber. Ele tem um plano nas nossas vidas, pois se não tivesse nem nos teria criado (nem que esse plano seja o Relacionamento conosco). A respeito de estar no controle, tudo o que temos, o que fazemos, o que somos, nossas sensações, emoções, nossa estrutura corpórea, além de todo o mundo com o qual interagimos foi criado por Deus. Isso é evidente, e nada, absolutamente nada das opções que escolhemos nesse mundo já não foram extenuadas por ele. É como pensar no Grande Arquiteto da Matrix - é tudo uma questão de escolha, e ele conhece todas.

    Sabiamente, Jó coloca - "receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?". Repare na profundidade do texto - assim que você está nesse mundo, que você é um ser humano, tudo que temos foi dado por Deus. Seja bom ou seja mal, ele nos Deus a honra de ao menos receber.

    ii) Não vejo toda a correlação entre a Teologia Relacional e o Teísmo Aberto (que eu considero absurdo), mas muito da Teologia Relacional faz sentido. O que eu sei baseia-se nesse artigo do próprio pastor Gondim:

    http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=1417

    Agora, o que EU ACHO é que não nos cabe brincar de Deus. Seria bom se tudo soubéssemos, portanto eu encaro as reflexões do pastor Gondim como o próprio nome diz - como REFLEXÕES. Eu não pauto minha vida pela Teologia Relacional, ela nem se quer merecia nome.

    Pra mim não passa de uma reflexão sobre questões filosóficas mau explicadas - como a questão da própria criação. Pelo o que eu li do artigo, algumas ideias fazem todo o sentido, principalmente na parte de Deus ser Amor. Se por um lado negarmos os 3 atributos básicos de Deus, então caímos em heresia. Então nem tanto ao céu nem tanto ao inferno, e muito cuidado com a TR pra que ela não superponha a Bíblia.

    iii) Se nós homens, através de dados de satélites, podemos prever tempestades, imagina entao Deus, que tem todos os dados necessários!!!! Eu não quero saber nada a respeito do meu futuro, meu futuro não tem valor filosófico pra um Deus atemporal. E as coisas boas e más acontecem a todos. Se Deus fala, por ex., que é o Deus que mata e faz viver, você não precisa entender isso como algo necessariamente ativo - se Deus criou a lei da vida (e outras leis paralelas), ele só por isso já o Deus que mata e faz viver, mesmo SEM NECESSARIAMENTE colocar sua mão e inteferir diretamente no sistema que ele criou.

    v) Qualquer coisa que eu continue dizendo será coberto nos próximos posts, pelo que eu vejo. Ainda há mais 2 tópicos, então eu espero por eles!

    Até.

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  3. Helder,

    Obrigado por suas reflexões, elas ajudam a construir a discussão para os próximos posts. O resumo é esse mesmo: Deus está no controle e oferece liberdade, sabe lá como.

    Quanto ao Pr. Gondim, ele tem o direito de refletir e divagar sobre assuntos difíceis, como todos nós fazemos. O problema é que quando um pastor influente como ele publica suas divagações, elas passam a ser um ensino que vai influenciar milhares de pessoas. Tais ensinos serão fatalmente testados à luz das Escrituras, e nesse caso elas não passam no teste. E ele em vez de reconhecer o erro e retirar o que disse, preferiu listar algumas desculpas. Aliás, o caminho que ele está seguindo acaba levando a dúvidas quanto à autoridade das Escrituras em revelar quem Deus realmente é. Note o seguinte texto que o Pr. Gondim escreveu em sua página questionando o Deus do Velho Testamento (http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=65&sg=0&id=2079):

    "Mas mesmo horrorizado, tenho aprendido. Esses eventos tenebrosos me levaram a admitir que já não leio a Bíblia com as mesmas lentes. Abandonei a idéia de que os massacres do Antigo Testamento foram ordens divinas. Entendo que os genocídios relatados na Bíblia foram cometidos com as mesmas motivações políticas, com os mesmos interesses econômicos e com ambições nacionalistas iguais as atuais, mas atribuidos a um deus guerreiro."

    Que Deus nos guarde de duvidar de Sua palavra.

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  4. Eu tenho diversas divergências com o que C.S. Lewis acreditava, mas acho que o que ele escreveu em Cristianismo Puro e Simples sobre como Deus se relaciona com o tempo é a melhor explicação que já vi, ainda que ele mesmo admita que é o que ele supõe ser a verdade, não algo que esteja apresentado claramente nas Escrituras.

    Em resumo, Deus não está no tempo como nós, Ele não passou por ontem, vive hoje e espera amanhã. Nós somos limitados e vemos as coisas acontecendo uma atrás da outra. Deus não prevê o que você fará amanhã, ele vê, como se fosse agora. Ele não tem uma história, isso significaria que Ele é incompleto, pois haveria coisas na Sua existência que ainda não aconteceram, que Ele ainda não experimentou. Esse seria um Deus muito limitado.

    Deus vê tudo, como se passado, presente e futuro fossem agora. O tempo faz parte da criação, assim como o espaço (quem sabe um pouco de física sabe que até o tempo é relativo), e como ele não é limitado pelo espaço, não é limitado pelo tempo.

    Isso não resolve a questão de quanto Deus age ativamente na história. Mas certamente elimina a possibilidade de um Deus que não sabe ao certo o que vai acontecer.

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  5. Ricardo,

    Essa abordagem faz muito sentido - ela é simples e bastante objetiva. Como a Bíblia diz que nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, temos a mania de humanizar Deus. Como Pascal disse, "não há como provar a existência de Deus usando o pensamento racional". Eu estendo isso pra "não é possível entender Deus através do pensamento racional".

    Assim acredito nos atributos dele da Bíblia, e no que ela revela a respeito dele (como o fato dele ser o Criador etc...). Acredito ainda que com ele podemos nos relacionar, expor nossos anseios e procurar ajuda.

    Mas dobro meus joelhos e reconheço que, a respeito de como ele age, a respeito do mistério da vida, nada sei a respeito. Sabe aquela pessoa que não sabe nada sobre microeletrônica mas mesmo assim pode usar o computador e acessar a Internet - assim eu me sinto sobre Deus. É possível procurar o objetivo maior, mas o grande mistério continua oculto.

    E quanto ao Pastor Gondim, eu acho que ele faz um bom trabalho no sentido de tornar o cristão mais racional. Existem muitas aberrações na Igreja Protestante atual (basta ligar a TV e assistir ao RR Soares). Muitos amigos meus descrentes não aceitam o cristianismo por causa dessas coisas. Alguns são ateus e, veja bem, conhecem mais a ética de Cristo do que muita, mas muita gente cristã que eu conheço, e não estou brincando.

    Mas, como você registrou, às vezes ele escorrega. Por isso eu acho que devemos fazer como os crentes de Bereia. Aliás, eu acho não - eu tenho certeza. Não só com ele como em todas as igrejas, até porque a mensagem da salvação me parece ser muito mais simples do que Teologia Sistemática.

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