Ignorar as diferenças entre as dispensações da Bíblia é a porta para a entrada da maioria das heresias que encontramos no Cristianismo. Por exemplo, Levítico 11 apresenta uma lista de animais imundos, que não devem ser comidos, incluindo o porco. Já I Tm 4:1-5 diz que proibir a ingestão de certos alimentos é ensino de demônios, pois "toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada." Esta mesma instrução de Deus sobre alimentos na dispensação da Igreja causou uma crise no apóstolo Pedro quando ele foi instruído por Deus a matar e comer animais imundos em uma visão em Atos 10. Aliás, o livro de Atos é outra porta de entrada para falsos ensinos, uma vez que descreve os eventos que ocorrem em um período de transição entre o Velho e o Novo Testamentos, onde acontecem fatos estranhos que não podem ser considerados como a norma para a igreja, como, por exemplo, alguém estar salvo sem ter o Espírito Santo.
Falando nisto, você não vai encontrar no Velho Testamento textos mostrando que o Espírito Santo regenerou alguém ou selou-o para o dia da redenção. O novo nascimento é profetizado como algo para o futuro em Ezequiel:
Ez 36:26-27 - "E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis."
Este texto refere-se a uma promessa de Deus de restaurar a nação de Israel, e terá cumprimento quando Israel se converter e Jesus inaugurar o Milênio, o Reino de Deus na Terra. Foi devido a textos como este que Jesus repreendeu Nicodemos por não saber que o novo nascimento era necessário para alguém entrar no Reino de Deus (Jo 3:1-10). Se Nicodemos era mestre em Israel, deveria entender Ezequiel 36.
Vemos, então, que a salvação na época da Lei é descrita com outra linguagem. Qual seria o ponto chave para alguém ser salvo?
É muito popular a idéia de que as pessoas deveriam guardar a Lei de Moisés para serem salvas. Neste caso, a salvação não seria garantida e alguém poderia perdê-la caso quebrasse algum mandamento.
Lv 18:5 - "Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o Senhor."
Paulo, ao citar este texto, comenta:
Gl 3:12 - "Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá."
Segundo a interpretação hiper-dispensacionalista de Timothy S. Morton, isto indica que a fé sozinha não poderia salvar o pecador. O que Deus queria de Israel era que eles cumprissem o que prometeram no Sinai:
Ex 19:8 - "Então todo o povo respondeu a uma voz, e disse: Tudo o que o Senhor tem falado, faremos. E relatou Moisés ao Senhor as palavras do povo."
Esta declaração soa como "Lordship salvation" pra mim, mas isto não é assunto pra hoje. Morton diz que se alguém quisesse agradar a Deus tentando obedecer Sua lei e oferecendo sacrifícios quando falhasse, naquele momento ele poderia considerar-se salvo. Mas, ao contrário do que acontece hoje, como nada espiritual tinha acontecido no interior de tal pessoa, sua salvação não era permanente e poderia ser perdida. Segundo ele, se Davi tivesse morrido enquanto estivesse em adultério com Bate Seba, teria ido para o inferno.
É verdade que a salvação era diferente na dispensação da Lei. Temos exemplos de Saul e Sansão, onde o Espírito de Deus os abandonou e, no caso de Sansão, retornou a ele antes da morte. O objeto da fé era diferente, uma vez que eles não tinham que aceitar Jesus como salvador, mas tinham que crer na Palavra de Deus. Alguns chegam a dizer que todos os judeus que saíram do Egito foram salvos, pois todos confiaram no sangue do cordeiro pascal para serem salvos do anjo da morte na décima praga. Uns acham que a maioria destes perdeu a salvação durante o êxodo, outros acham que continuaram salvos. Por mais difícil que seja saber as respostas, de uma coisa eu tenho convicção, que a salvação não dependia da perfeição em guardar ou não a Lei, mas da fé no Deus de Israel:
Sl 130:3-8 - "Se tu, Senhor, observares as iniqüidades, Senhor, quem subsistirá? Mas contigo está o perdão, para que sejas temido. Aguardo ao Senhor; a minha alma o aguarda, e espero na sua palavra. A minha alma anseia pelo Senhor, mais do que os guardas pela manhã, mais do que aqueles que guardam pela manhã. Espere Israel no Senhor, porque no Senhor há misericórdia, e nele há abundante redenção. E ele remirá a Israel de todas as suas iniqüidades."
Sl 32:1-2 - "Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade, e em cujo espírito não há engano."
Ou, conforme o comentário de Paulo sobre este Salmo: "Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras" - Rm 4:6
Quando a Bíblia diz que quem guardar a Lei viverá (Lv 18:5), está sendo literal. Havia pena de morte para a quebra de vários mandamentos, mas isto não implica, necessariamente, em condenação eterna. Mas, o que dizer de Gl 3:12?
"Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá."
Este texto é interpretado pelo versículo anterior:
Gl 3:11 - "E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé."
A Lei não é capaz de justificar ninguém, ela apenas diz o que é pecado e o que não é. E como ninguém é capaz de ficar sem pecar, ninguém é justificado pelas obras. Colocando os versos 11 e 12 juntos, a lei não é da fé, ela requer obras, mas como não podemos cumprí-la, só podemos ser justificados diante de Deus pela fé. A parte final do versículo 11 é uma citação de Habacuque 2:4, o que significa que mesmo no Velho Testamento a Lei não justificava ninguém. Ela servia para mostrar a santidade de Deus e a imperfeição do homem (Rm 7:7), além de restringir a maldade do homem, servindo como código penal da nação. Há muito proveito ainda hoje em se observar os aspectos morais encontrados na Lei e meditar sobre o significado espiritual dos rituais, mas ninguém jamais foi justificado ou salvo por ela. A salvação era pela fé em Deus e em Sua Palavra. Um exemplo é a conversão do pagão Naamã após ser curado de lepra pela fé na Palavra de Deus proferida por Eliseu:
II Re 5:15-19 - "Eis que agora sei que em toda a terra não há Deus senão em Israel...E disse Naamã: ... nunca mais oferecerá este teu servo holocausto nem sacrifício a outros deuses, senão ao Senhor. Nisto perdoe o Senhor a teu servo; quando meu senhor entrar na casa de Rimom para ali adorar, e ele se encostar na minha mão, e eu também tenha de me encurvar na casa de Rimom; quando assim me encurvar na casa de Rimom, nisto perdoe o Senhor a teu servo. E ele lhe disse: Vai em paz."
Naamã foi salvo pela fé no Deus de Israel, mas Eliseu não o obriga a guardar a Lei. Naamã volta à Síria, onde sabe que encontrará a realidade do paganismo imposto por seu rei. Por isso, pede perdão de antemão quando tiver que se curvar na casa de Rimom. Eliseu poderia ter dito que Naamã deveria resistir até a morte, mas não o fez. Disse apenas: vai em paz. Se fosse pelas obras, Naamã iria pro inferno, mas a graça de Deus se manifestou.
Concluindo, concordo com Timothy Morton quando ele diz que se alguém quisesse agradar a Deus tentando obedecer Sua lei e oferecendo sacrifícios quando falhasse, poderia considerar-se salvo. Mas discordo que a pessoa tivesse que fazer isto para ser salva. Ela faria isto como consequência de uma salvação que se deu pela fé em Deus.
sábado, 17 de julho de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)